Valéria Belém
Jornalista, escritora e psicanalista em formação
“O meu amor me deixou/Levou minha identidade
Não sei mais bem onde estou/Nem onde a realidade
Ah, se eu fosse marinheiro/Era eu quem tinha partido
Mas meu coração ligeiro/Não se teria partido”
(Maresia/Adriana Calcanhoto)
A vida é muito curta e a gente corre para ser feliz. Verdade ou mentira? Se você foi pelo senso comum, respondeu o que é de se esperar: a gente quer mais é ser feliz mesmo. Só que isso não é verdade. Pelo menos não é o que fazemos realmente na vida.
Existe algo que nos prende a uma vida infeliz, apesar de desejarmos o contrário. É o tal do medo. Vejamos, então: será que em algum momento nos últimos anos você conheceu alguém e, justamente porque tudo estava indo muito bem, sentiu um medo terrível de perder aquela felicidade toda? É nessa hora – a do pavor de perder – que começamos a boicotar os relacionamentos da pior forma. Se ele/ela olhar de lado, se ele/ela não quer viajar comigo, se ele/ela não sonha o meu sonho… é sinal de que tudo vai dar errado muito em breve. Tenho de segurar, preciso me agarrar. Mas tenho a certeza de que vou perder, faça o que fizer. E perde mesmo, porque é nesse momento que a diversão acaba, o crescimento cessa, a gente não curte nem é curtido. Quantos casais vivem assim? Dê uma olhadinha a seu redor: eles investem o tempo dessa tão curta vida em caixinhas de relacionamentos torturantes!
Ai, como cansa. Como cansa tentar agradar ao outro para não perdê-lo, como é terrível estar sempre a um passo da mais pura completude e nunca chegar lá! Medo, medinho, medão! Gente, escreve aí no bloco de notas do celular: “Sempre vamos perder. Sempre alguém morre, muda de cidade, deixa de nos querer. Mas sempre vamos ganhar. Enquanto se está vivo, está perto, está querendo… É tempo de usufruir.” É mais fácil falar do que fazer? Ahã, a gente até entende de que se trata, mas fica com aquela cara de bobo: “Ah, é, né….” E agora, José?
Para ter essa experiência, a de usufruir, só vivendo no corpo que se tem. Na pele, no real. E no hoje. A modernidade nos trouxe sua riqueza em uma palavra transformadora: a “responsabilidade”. Nada de “culpa”, de “obrigação”, que matam o desejo da gente. E responsabilidade também se aplica aos relacionamentos amorosos. Não vale ficar com alguém porque o sobrenome pesa, a carteira chama, os filhos querem, os pais escolhem. Ou porque é bonito ou faz boa figura ao seu lado (e eu preciso, sempre, estar bem no meu “espelho-gente”).
O psicanalista Jorge Forbes nos lembra que “o amor que vivemos neste momento é um amor responsável. Se uma pessoa está com outra, não pode dizer que seja por alguma outra razão que não o “querer estar”; por isso é um amor direto, sem intermediação. Um amor que não sei explicar, mas responsável. No momento em que temos um homem desbussolado, que perdeu suas referências, estamos numa nova época. Temos uma opção de voltarmos para trás, sermos reacionários, genéricos ou fazermos um exercício de singularidade, de um novo amor.”
Que lindeza esse novo amor do século 21! É ele, que também assusta, que podemos ter (e não apenas sonhar) nesta vida tão curta. Você deseja? Eu, sim. Então, vamos combinar: pegue uma caneta e escreva a palavra MEDO. Dobre pequenininho, do tamanho que deve ser.
E jogue no lixo.
Originalmente publicado no blog Mundo Psi, da Revista Zelo, em 20/02/2017