Por Valéria Belém
Jornalista, escritora e psicanalista em formação
Não existe pílula da coragem. Que reconfortante seria poder sacar uma cartela da bolsa e engolir o remédio sempre que aquela covardia básica (sim, vamos dar nomes aos bois aqui) se apossasse de nós…
Também não existe varinha de condão para, plim!, de uma vez por todas transformar a vida da gente. Fazer aparecer pessoas, desaparecer momentos, apagar dores, como ocorre nos livros de magia que recheiam as prateleiras das livrarias – será por isso que eles fazem tanto sucesso? É um caso a se pensar.
Portanto, é isso a vida. Sem atalhos milagrosos que não exigem de você muito esforço para encarar o dia a dia. Sendo assim, trate de suar a camisa. Claro que não falamos aqui da transpiração líquida que nos escorre pela testa, mas da sua ação pelo que você quer. Afinal de contas, os seus pés comprovam o que sua boca diz?
Daniela (nomes fictícios) relata que se sentia um enfeite de estante em sua casa. O marido tirava a peça do local quando assim desejava, tirava o pó, admirava sua beleza, a exibia, aproveitava de seu valor e a devolvia ao mesmo lugar de antes. Já Verena não tem qualquer dúvida – é um tapete de luxo sem tirar nem pôr. Desses bem aconchegantes, vistosos, que aquecem o lar, mas não deixam de ser pisados por causa disso.
Sem a tal pílula da coragem a qual recorrer, Daniela tomou a decisão de virar gente por conta própria. Ser enfeite não era para ela. Familiares e amigos a consideraram uma desmiolada. O que tinha demais ser uma decoração bem cuidada? E ela? Ficou feliz como nunca com sua decisão. Enquanto isso, Verena continua em sua vida de tapete. A quem chega ela repete a triste história, “presa” que está em uma situação da qual só faz reclamar. Fala, fala, fala. Mas ali permanece. A boca exclama: “Quero sair!”, mas se você der uma boa olhada em seus pés, perceberá que estão imóveis. Não fazem qualquer menção de ganhar a rua. Na falta da pílula, ela vai ficando…
Danielas, Verenas e tantas outras mulheres e homens estão por aí, vivendo como objetos do outro. Deixam morrer o melhor de si, sem perceber que isso ocorre em nome de um amor que não é amor. O verdadeiro encontro com o outro é uma dança sem ensaio, em que a gente leva e se deixa levar, conforme a música toca e se modifica. Deslizando pelo salão, há momentos de afastar e de aproximar os corpos, para ambos continuarem a ser o que são. Se não for assim, mais vale refazer.
Então, responda agora: o que sai da sua boca combina com a direção dos seus pés? Se a resposta é não, você pode continuar com seu blábláblá, mas saiba que ninguém mais acredita nele. Nem mesmo você. Se sim, que bacana, você descobriu por conta própria que a felicidade não é para os covardes, mas para aqueles que encontram em si a magia necessária para serem felizes.
Originalmente publicado no blog Mundo Psi, da Revista Zelo, em 18/07/2016