Luciene Godoy //
Quando tudo está desabando em nossas cabeças, às vezes dizemos que queríamos voltar para o útero materno. Cultivamos a sensação de que, antes de começarem todas as mudanças, conflitos, desafios a serem vencidos, tínhamos a paz do útero materno.
Verdade! Lacan nos fala em seu livro Os Complexos Familiares que o habitat pré-natal se mantém em nosso inconsciente e sua representação aparece em formas simbólicas primitivas como a caverna ou a cabana, nos apontando para a busca do “paraíso perdido de antes do nascimento”.
Definimos o útero como abrigo e proteção. Ah! A doce nostalgia de nos sentirmos seguros e protegidos…
Pois é, será que o único útero que teremos na vida é o da mãe, antes de nascermos? Acho que não.
Um dia desses fui pega de surpresa ao chegar no meu quarto, depois de um dia cheio, e ser acolhida com uma sensação de estar entrando num lugarzinho protetor e agradável, que me recebia e abraçava. Tapete macio sob os pés descalços, cortinas diáfanas fechadas, lençóis brancos, sedosos e cheirosos. Se aquilo não for algum tipo de útero, me diga então o que é.
Tomada pela sensação, entrei no meu banheiro e idem, impressão de entrar num território circunscrito, numa bolha minha onde a água gostosa me acariciava o corpo, os produtos me limpavam e perfumavam a pele. Útero com água.
Depois fui me dando conta de quantas vezes tinha entrado naquela casa e sentido que estava chegando ao meu “lugar”. Só agora me dou conta de que era o meu “grande útero”.
O carro é outro útero que temos. Esse se parece muito com o materno, pois até se deslocar com a gente dentro ele faz. É por isso que carro acalma bebezinhos. Acalma a gente também, é só curtir a sensação.
Estar dentro do abraço de uma pessoa amada é o “útero-pele”, um toque de vida. Tem tantos outros lugares que nos dão a sensação de estarmos dentro e protegidos, só que nem notamos, nem degustamos, nem nos nutrimos do bem estar oferecido.
Tem “útero-cinema”, “útero-teatro”… Sem contar que tem também os “úteros abertos”: uma praia, um campo, um cerrado, o topo de uma colina, o topo de um prédio, que nos presenteiam com a amplidão acolhedora e aberta. O suave vento da liberdade que também abraça. Abraço aberto que convida para sair e curtir o mundo.
Aliás, nosso mundão – o Planeta Terra –, com seus ruídos, movimentos, cheiros e texturas, é um grande útero pulsante com o dia e a noite, o inverno e o verão, a chuva e a seca.
Diante de tantos úteros, por que não pensar no útero dos úteros que pode muito bem ser o nosso próprio corpo? Esse corpo que nos abriga. “Útero-corpo”, dentro do qual entramos, fechamos a porta e nos deleitamos com o sentirmo-nos. Ou nos abrimos para sentir os outros.
Temos, pois, tantos abrigos, tantos mundos que nos protegem: o “útero-eu” é a casa mais próxima, mais nossa e mais amada.
—
Artigo originalmente publicado no jornal O Popular, de Goiânia, em 17 de setembro de 2015.