Repudiar, palavra forte. Seria possível repudiarmos a nós mesmos? Repudiamos tantas coisas, as rejeitamos, reprovamos, repelimos, mas fazemos isso só com coisas externas. Será?
Como é a nossa relação com nós mesmos? Somos benevolentes, simpáticos com nossas falhas e compreensivos com nossas mancadas?
O risco aqui é confundir isso com um movimento muito comum no ser humano que é o de não se responsabilizar. Que é achar um culpado a fim de livrar sua imagem de algum defeito ou mancha.
Fazer de conta que não é conosco, correr das consequências… Tudo isso existe, mas ainda assim a culpa é insidiosa e a pessoa não consegue se convencer completamente de que não tem a ver com o que se quer fazer acreditar. Se desresponsabilizar não funciona como salvação de um ego ferido.
Mas isso não é gostar de si, isso é uma fuga de quem não é capaz de se ver errando e por isso nega sua participação. Justamente por não gostar de si, tenta limpar sua barra a qualquer custo. Porque para si mesmo a barra é suja e feia.
Repudiar a si mesmo é não reconhecer-se no que tem de bom e de ruim.Repudiar a si mesmo é se renegar, é negar se reconhecer, é se deixar em abandono numa recusa de quem se é. Repudiar é se desaceitar.
Pois é, existe o verbo desaceitar.
A descrição do inferno é a cabeça de quem se desaceita. De quem renunciou a ser o que é e tenta se encontrar em algum lugar no olhar do outro ou nas palavras de aceitação e reconhecimento.
Quando não nos repudiamos podemos habitar os nossos pedaços diversos, sendo tantas coisas sem nos perdermos do nosso cerne.
Nietzsche dizia que os homens que não amavam o presente estavam blasfemando contra a Terra, contra a vida, acreditando que sempre em outro lugar a vida será melhor.
Que venha um mundo melhor, mas esse que temos pode ser muito mais bem usufruído. Se amamos a vida com o que ela é e nos traz, repudiar a nós mesmos pelos defeitos que temos, e temos mesmo, é um contrassenso.
Ter amor pelo presente, pelo que acontece, como é a proposta do Amor Fati nietzschiano, é amar o que está ali, que é você. Não deixe que a expressão “Amar a vida” seja uma expressão abstrata. Amar a vida é amar o que está ali, e a primeira coisa que está ali é você.
Amar a vida é amar você que está ali na vida. Parece tão estranho, mas é isso: é amar você que está ali para ser amado, cuidado, sustentado. Por quem? Pela mamãe, papai, marido, esposa…?
Repudiar a si mesmo é se deixar em desamparo. Desamparo que não vem de fora, mas origina-se de seu próprio descaso com você mesmo.
Amar a si é amar suas fragilidades e pisadas na jaca. É rir de seus tropeços com o carinho com o qual a gente trata uma pessoa querida.
Pessoa querida que podemos ser para nós mesmos. Sorriso cheio de ternura para nós mesmos. Prazer em nossa própria convivência. Sentimento gostoso de se ser o que se é e quem se é.
Sofremos porque não somos perfeitos e por isso nos repudiamos.
Abracemos com carinho, num abraço interno e amoroso, esse ser que nasceu, passará toda uma vida e vai morrer com você.
Construa, modifique e melhore esse que é seu verdadeiro amigo do peito – o mais das vezes o maior inimigo que temos – e que mora conosco e nos repele, nos reprova e nos desaceita.
Abra os braços e abrace você, usufrua de seu cheiro e suas cores. Ouça o barulho de sua risada, a gostosura de sua mão acariciante, o prazer de andar e se deslocar como pode.
Não se repudie. Não jogue luxo no lixo.
Renasça, recicle-se, utilize-se de formas novas a cada dia.
Desenvolva uma nova relação de amor com você que não seja de repúdio, mas de lua de mel.
Sim, tenha um casamento feliz com você mesmo. Só assim ficar bem casado com o outro se torna possível.