Quem é quem?


Não se tratam das perguntas filosóficas: Quem sou? Onde estou? Pra onde vou?
A pergunta é bem mais bucólica: o quanto de nós é completamente desconhecido por nós mesmos, os donos da casa?
O que a psicanálise diz é que a criança, nos seus primeiros anos de contato com o mundo, apreende o que as pessoas mais chegadas esperam ou pensam a respeito dela. A partir daí, passa o resto da sua vida repetindo as informações dessa época, sob a forma das respostas que são sempre as mesmas.
Somos um poço de repetição. Repetimos o que não sabemos que somos.
Vemos pessoas com grandes e inegáveis qualidades que passam o tempo todo mostrando o quanto são faltosos. Aquele tipo que vive se diminuindo e não vê valor em si.
Conheci alguém que achava maravilhoso os amigos terem conseguido comprar seus apartamentos. Porém, quando ela comprou o seu, novo, bonito, bem localizado, fazia de conta que ter seu próprio apê era uma conquista banal, todo mundo tinha. Ao mesmo tempo, cuidou criteriosamente de mantê-lo vazio, frio, sem móveis bonitos e nem cortinas. Sem nenhum cuidado especial para valorizar o que tinha, ou seja, morava mal.
Ela fazia o mesmo com o carro que possuía, que tratava como se fosse uma “Brasília Amarela”, enquanto todo mundo podia ver o carrinho mil, fofinho que era o dela. Ela fazia o mesmo com tudo o mais: os estudos, o trabalho e, veja só, com o amor também.
Por mais que se esforçasse não conseguia “acreditar” que alguém estivesse, de fato, gostando dela, e quando as evidências de interesse do outro ficavam por demais inegáveis, ela começava a desvalorizar o “interessado”. E como conseguia isso? Transformando qualquer fato banal no maior indicativo de que aquilo não era amor.
Não tinha saída: ou ela não era digna de amor ou a outra pessoa era incapaz de amar. Dava na mesma. Ela continuava aquela que não era amada nem valorizada. Detalhe: era bem bonita, inteligente, ética, uma verdadeira guerreira.
Outra pessoa que conheci era, muito pelo contrário, alguém que via tanto valor em si que perdia os parâmetros da realidade. Feia, sorry, mas era mesmo, muiiito feia, desarmoniosa, dentes cavalares e irregulares (que – imagina! – ela não precisava corrigir porque era linda daquele jeito mesmo). Um cabelo preto de fios grossíssimos, arames armados, com uma franja  monumental. Com um pouco de esforço, viraria o próprio Capitão Caverna, inclusive pelo corpinho batuca e cheinho.
Como dizemos nós aqui em Goiás, ela era uma verdadeira pamonha amarrada pela cintura. Achava a sua voz linda. Sorria e gesticulava com a segurança dos que se sabem belos, convidando todos a admirar a sua presença encantadora.
Pois essa pessoa também não conseguia sustentar uma relação amorosa porque a imagem que tinha de si era tão onipotente que desencantava qualquer interessado.
Pode  rir, mas não se trata de uma piada. São duas pessoas completamente fora das suas realidades! Ou, quem sabe, podemos dizer: dentro de “outra” realidade.
Freud diz que a psicanálise se baseia “no amor à verdade, ou seja, no reconhecimento da realidade”.  Mas também afirma que a realidade do ser humano é a fantasia, e que a fantasia é – e esse é o problema – o que nós fomos para o primeiro outro de nossa vida, nossa mãe e o grupo familiar em geral.
Temos duas histórias verdadeiras, de duas pessoas que não conseguiam ter uma imagem mais aproximada de si e de seus atos. Pareciam grandes estranhas para si mesmas.
Cuidavam da vida de um personagem outro que não elas mesmas, e por isso a vida não fluía. Estagnada na repetição de uma posição eterna.
Podemos cada um de nós ter alguma ideia de quem somos na vida? Seríamos  totais cegos para nós mesmos como as duas “desencontradas de si”?
Desta vez fica a pergunta: quem é você mesmo?


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