Consciente versus inconsciente


Maharaja Sardar Singh of Bikaner (Chotu, 1860-70) - www.metmuseum.org
Maharaja Sardar Singh of Bikaner (Chotu, 1860-70) – www.metmuseum.org

Luciene Godoy //
A psicanálise inaugurou na humanidade o uso da palavra inconsciente que, a partir de um setor acadêmico específico, passou a ser um vocábulo de uso comum para expressar maneiras de agir que são alheias a nossa vontade. Como algo para expressar o que desconhecemos de nós mesmos.
A teoria do recalque nos fala do desaparecimento de certas informações em nossas mentes com o intuito de nos poupar sofrimento ou nos permitir ter prazeres proibidos de forma desviada. Tanto que um dos conceitos de recalque é “o sujeito não quer saber que sabe”.
Por outro lado, chama a atenção a quantidade de textos na mídia e livros sobre o tema dos benefícios de se estar consciente do momento presente. Existe mesmo uma expressão – mindfulness – que nos convida a “prestar atenção às experiências do momento presente com abertura, curiosidade e desejo de estar em contato com o que for que esteja acontecendo”. É focar intencionalmente e sem culpa nas nossas emoções, pensamentos e sensações. É, sem dúvida, um convite a estar no presente.
Esse movimento ensina que a maneira de exercer o mindfulness – que me faz pensar em consciência ativada – é estar atento a todas as pequenas coisas que acontecem ao nosso redor. É o oposto de estar no piloto automático. É ter os sentidos aguçados para vivermos intensamente o que está acontecendo. Isso nos faz sentir vivos e cheios de energia.
É o que acontece quando estamos pela primeira vez em um local antes desconhecido. Nossa curiosidade se aguça e passamos a perceber um novo mundo ao nosso redor. Mas, veja bem, isso só ocorre porque pensamos que vai ser novo e o olhamos como novo.
O mesmo pode acontecer em nossa rotina. Se olhado com abertura e curiosidade, nosso cotidiano que parece tão conhecido pode nos revelar sempre coisas novas que vamos incorporando de maneira a darmos mais vida à vida.
Viver dentro desse espírito é comparável à ideia de se viver viajando para novos lugares onde sentimos a curiosidade por todos os pequenos detalhes que constituem o novo mundo que estamos visitando.
A essa viagem-estado-de-espírito eu dou o nome de presença.
Ela nos conduz a viver intensamente o momento presente nos dando realmente a sensação de estar visitando um lugar novo. Se você aceita a lógica de que cada dia é um dia novo, não há nenhum igual ao outro, você está prestes a fazer muitas viagens que nem custam dinheiro, custam mente presente – mindfulness.
Porém, não é sem motivo que as pessoas não estão quase nunca no presente. Ou estão no passado pensando no que lhe foi feito ou no futuro aquilatando quando chegará a prometida felicidade ou amedrontadas pelo castigo que está prometido aos que erram. E quem não erra?
O recalque é motivo para não estarmos no presente, pois sermos guiados pelo inconsciente é justamente não saber o que está acontecendo.
Saber o que está acontecendo pode nos trazer infelicidade, esse é o princípio da eficácia do recalque, só que, junto com o que escondemos de nossa consciência, escondemos de nós mesmos um mundo de coisas maravilhosas também, como os grandes pequenos milagres do dia a dia. Olhamos e vemos, escutamos e ouvimos, sentimos sensações esquecidas, saboreamos em degustações intermináveis o gosto de cada acontecimento.
Sem estarmos mais num mundo de tantos certos e errados, podemos errar sem desespero, podemos ser felizes sem medo do castigo, podemos ter mais consciência e aposentar a brutal necessidade que tínhamos de esquecermos de nós mesmos.
Estar no presente é ter a consciência de que não temos nada para esconder e subtrair – roubar – de nós mesmos. Dessa forma, podemos aumentar a nossa vida – não vivendo 100 anos, mas fazendo-a mais intensa.

Artigo originalmente publicado na coluna Divã do Popular, do jornal O Popular, de Goiânia, em 2 de julho de 2015.


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