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Máscaras em família

Nas festas em família cada qual fica na mira de tiro da confirmação do grupo. Confirmação da máscara social, do lugar que nos deram e queremos ver confirmados ou, ao contrário, queremos nos ver livres dele, nos comportando como o oposto do lugar marcado para nós.
Acreditamos demais nas máscaras.
Agredimos, explodimos, ficamos acuados.
A nossa identidade é móvel, mutante e flexível. Pode-se deixar de ser algo a qualquer momento que se queira. Porque é sempre de lugares que se trata. Não é “eu sou”, é muito mais “eu estou”.
Dou o exemplo de uma criança de 2 anos de idade que, no momento em que entrei no carro de seus pais, ocupando o banco de passageiro, lugar sempre ocupado pela mãe, começa a gritar e a dizer: “Não, não, não é a mamãe”. Ele já sabia que o lugar marca a identidade, mas como não somos uma poltrona de carro, aquele lugar é somente o que eu frequento e que me dá um nome temporário, muito pouco para dizer quem eu sou. Vou continuar a ser o que sou estando fora dele. Disso aquela criança ainda não sabe… e muitos adultos também não.
Quando alguém bole com nossa identidade, vem a fúria e o ataque.
Puro engodo o de achar que estamos correndo perigo de deixar de existir, como se estivéssemos sendo ameaçados de morte. Puro engodo.
É só mais uma casca – e temos tantas – sendo remexida. Podemos repô-la, modificá-la e, quem sabe, até viver melhor sem ela. No entanto, nos debatemos, vendo o outro como o inimigo que quer nos tirar a vida. Não é tirar a vida, é tirar (ou colocar) uma outra capa, uma outra roupa.
Poderemos vesti-la ou não.
A identidade é a roupa que vestimos para estar no mundo. Melhor dizendo, são “as roupas”, porque são várias. Mesmo aquelas pessoas que escolhem sempre os mesmos trapinhos surrados e previsíveis para se apresentar poderiam ter estiloso e variado guarda-roupa.
Mas há o medo da não aceitação do grupo.
É melhor não arriscar porque ser reconhecido com meia dúzia de trapinhos, ou deslumbrante alta-costura, que nos dão um lugar, é melhor do que ficar à deriva, fora do pertencimento, sem existência.
Se sabemos qual é o nosso eixo principal, a nossa “unicalidade”, aquelas características básicas que nos constituem, aquilo sem o qual não seríamos quem somos, não nos sentiríamos tão ameaçados.
Este é o nosso cerne. O resto pode mudar circunstancialmente, mas continuaremos a ser nós mesmos.
Exemplos da “vida como ela é”: a irmã afirma que a outra é preguiçosa e vive por conta da mãe. A acusada, enfurecida, derruba a mesa de Natal para mostrar que não o é, que a acusação é inaceitável.
Será que não pode mos aguentar outra pessoa pensar de nós o que não somos?
Talvez um dia a verdade venha a tona, ou não. Não dá pra depender.
Existem muitas respostas possíveis ou será que não podemos prosseguir sendo o que sentimos que somos, mesmo quando o outro diz o contrário?
Está vendo por que encontros de pessoas que fazem parte de nossa história ou do dia-a-dia – família e trabalho – mexem tanto com a gente?
É que neste momento as máscaras (leia-se: identidades) se encontram e o que não faltam são mãozinhas tentando arrancá-las, ou colocá-las de volta, quando porventura tenhamos conseguido mudá-las.
Os “eus” ficam ameaçados. A atmosfera é tensa.
Festas de semelhantes ficam cheias de homens e mulheres-bombas. Ameaçados e ameaçadores.
Não é nada disso e ao mesmo tempo é tudo isso.
A ameaça existe, mas não é letal.
Dá pra trocar de roupa sem trocar de cerne.
Temos uma imagem aos olhos dos outros, é fato, mas o que mais tem peso é a imagem que temos de nós mesmos e que nos mantêm no nosso cerne. Conscientes dela, poderemos, inclusive, mostrar que não somos o que o outro vê.
Somos nós, em últ ima instância, que comunicamos ao outro quem somos.

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