Mudando de casa


The Brush House (Childe Hassam, 1916) - www.metmuseum.org
The Brush House (Childe Hassam, 1916) – www.metmuseum.org

Luciene Godoy //
Falemos hoje de mudanças. Mais especificamente de mudança de casa.
Decisão tomada, tudo arranjado, objetos nas caixas e lá vamos nós para habitar uma nova morada.
Quando a nova casa é melhor, quando a mudança foi desejada, temos o transtorno de ver tudo revirado, mas a satisfação e o prazer estão ali do ladinho rindo para a gente sem parar.
Como seria fazer uma mudança repentina, sem saber sequer para onde vamos? E se a tal mudança se der como uma série de ocorrências que vão se sucedendo, cada uma mais estranha que a outra, e terminar com o ato de você ser botado fora de casa?
Fora de casa e dentro de uma outra casa? Bem, mais ou menos, porque a casa que você tinha era quentinha, aveludada, deslizante e molhada. Ah! E era preenchida também pelos ruídos das redondezas. A sua ex-casinha também era flutuante, com movimentos acalentadores e suaves.
A nova casa não tem paredes e é uma amplidão sem fim. Não tem o abraço apertado, nem aguinha quente deslizante. Tem o ar, que é algo que você nem sabe ainda o que é. É um vazio, coisa que você nunca nem ouviu falar que existe.
Parece que a casa não tem gente: você está sozinho, enquanto na outra só se sentia acompanhado. Acabou o doce balanço, acabaram-se os ruídos que eram a música para seus ouvidos.
Vácuo? Talvez pudéssemos dizer que a nova casa é um vácuo.
A verdade é que temos de fazer muito esforço e levamos muito tempo para começarmos a nos dar conta de como a nova casa funciona.
A nova casa é totalmente diferente da primeira. Sumiram de repente todos os nossos prazeres.
Qual a chance de gostarmos da segunda casa? Só se for masoquista. Mas para tudo tem jeito.
Esse vácuo é habitado por uns corpos bem interessantes. Quando alguém nos abraça, é gostosinho… até parece “a outra casa”. Esse calorzinho e a sensação de existir quando estamos encostados no corpo, na pele de alguém, são tudo do que mais precisamos para nos sentirmos seguros. Quando nos embalam é uma delícia, por isso andar de carro é “o programa”.
Comer, que é uma novidade, é a melhor parte. Tem uma sensação gostosa que vai da boca até dentro do nosso corpo, que se inunda de presença e serenidade. Muito diferente da primeira respiração que inundou lá dentro de um frio queimante e vazio que foi o primeiro encontro com o oxigênio. Essa primeira entrada deixa um vazio que teima em voltar, mas depois vêm o leitinho quente, o toque, os sons e o abraço, e o buraco desaparece.
A essa altura, você já sabe que estamos falando da primeira mudança de casa que fazemos na vida. Mudança de casa que equivale à mudança de universos. Nos relacionar com o vazio da perda e com as novas relações que vamos estabelecer com esses objetos do universo sem limites é o nosso desafio dali em diante.
O que temos para nos situar e para trocar com esses novos seres aos quais vamos sendo apresentados? Os nossos cinco sentidos comandados pelo cérebro, que por sua vez é comandado pelo que apreendemos desses objetos que se revelam muito especiais e que são chamados de seres humanos.
É, engana-se quem pensa que nosso DNA é que comanda nossa maneira de ser. Nascemos do outro em tudo, inclusive no que pensamos e sentimos. Hoje sabemos que a “arquitetura cerebral” e os comportamentos são frutos das relações que a criança tem com os adultos. E isso por meio dos sentidos, portanto, da pele, pela maneira que fomos tocados; da boca, por como fomos alimentados; pelos ouvidos, por como nos falaram; e pelo olhar, pela forma que fomos interpretados pelos “olhos que falam” das pessoas que fundaram nossa vida.
Mudança gigantesca! Para que ela se transforme em uma forma de viver prazerosa, precisamos da competente ajuda do outro num laço que nos laça para a vida e que se chama amor.
Falemos hoje de mudanças. Mais especificamente de mudança de casa.
Decisão tomada, tudo arranjado, objetos nas caixas e lá vamos nós para habitar uma nova morada.
Quando a nova casa é melhor, quando a mudança foi desejada, temos o transtorno de ver tudo revirado, mas a satisfação e o prazer estão ali do ladinho rindo para a gente sem parar.
Como seria fazer uma mudança repentina, sem saber sequer para onde vamos? E se a tal mudança se der como uma série de ocorrências que vão se sucedendo, cada uma mais estranha que a outra, e terminar com o ato de você ser botado fora de casa?
Fora de casa e dentro de uma outra casa? Bem, mais ou menos, porque a casa que você tinha era quentinha, aveludada, deslizante e molhada. Ah! E era preenchida também pelos ruídos das redondezas. A sua ex-casinha também era flutuante, com movimentos acalentadores e suaves.
A nova casa não tem paredes e é uma amplidão sem fim. Não tem o abraço apertado, nem aguinha quente deslizante. Tem o ar, que é algo que você nem sabe ainda o que é. É um vazio, coisa que você nunca nem ouviu falar que existe.
Parece que a casa não tem gente: você está sozinho, enquanto na outra só se sentia acompanhado. Acabou o doce balanço, acabaram-se os ruídos que eram a música para seus ouvidos.
Vácuo? Talvez pudéssemos dizer que a nova casa é um vácuo.
A verdade é que temos de fazer muito esforço e levamos muito tempo para começarmos a nos dar conta de como a nova casa funciona.
A nova casa é totalmente diferente da primeira. Sumiram de repente todos os nossos prazeres.
Qual a chance de gostarmos da segunda casa? Só se for masoquista. Mas para tudo tem jeito.
Esse vácuo é habitado por uns corpos bem interessantes. Quando alguém nos abraça, é gostosinho… até parece “a outra casa”. Esse calorzinho e a sensação de existir quando estamos encostados no corpo, na pele de alguém, são tudo do que mais precisamos para nos sentirmos seguros. Quando nos embalam é uma delícia, por isso andar de carro é “o programa”.
Comer, que é uma novidade, é a melhor parte. Tem uma sensação gostosa que vai da boca até dentro do nosso corpo, que se inunda de presença e serenidade. Muito diferente da primeira respiração que inundou lá dentro de um frio queimante e vazio que foi o primeiro encontro com o oxigênio. Essa primeira entrada deixa um vazio que teima em voltar, mas depois vêm o leitinho quente, o toque, os sons e o abraço, e o buraco desaparece.
A essa altura, você já sabe que estamos falando da primeira mudança de casa que fazemos na vida. Mudança de casa que equivale à mudança de universos. Nos relacionar com o vazio da perda e com as novas relações que vamos estabelecer com esses objetos do universo sem limites é o nosso desafio dali em diante.
O que temos para nos situar e para trocar com esses novos seres aos quais vamos sendo apresentados? Os nossos cinco sentidos comandados pelo cérebro, que por sua vez é comandado pelo que apreendemos desses objetos que se revelam muito especiais e que são chamados de seres humanos.
É, engana-se quem pensa que nosso DNA é que comanda nossa maneira de ser. Nascemos do outro em tudo, inclusive no que pensamos e sentimos. Hoje sabemos que a “arquitetura cerebral” e os comportamentos são frutos das relações que a criança tem com os adultos. E isso por meio dos sentidos, portanto, da pele, pela maneira que fomos tocados; da boca, por como fomos alimentados; pelos ouvidos, por como nos falaram; e pelo olhar, pela forma que fomos interpretados pelos “olhos que falam” das pessoas que fundaram nossa vida.
Mudança gigantesca! Para que ela se transforme em uma forma de viver prazerosa, precisamos da competente ajuda do outro num laço que nos laça para a vida e que se chama amor.

Artigo originalmente publicado no jornal O Popular, de Goiânia, em 27 de agosto de 2015.


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