Eu sou o máximo!

Nude Before a Mirror (Balthus, 1955)
Nude Before a Mirror (Balthus, 1955)

Luciene Godoy //

Acho louvável o esforço que as pessoas estão fazendo para se sentirem bem consigo mesmas, para se valorizarem e, por isso mesmo, conseguirem gostar de si mesmas.

Acho um feito alguém conseguir, deveras, gostar de si mesmo. Louvo as tentativas, já são um bom começo, mas sentir que isso ocorre de fato na vida de alguém é outra história.

Gostaria de colaborar para que cheguemos a usufruir do que geralmente só é falado, discorrendo sobre alguns, digamos, caminhos equivocados que não levam a Roma mesmo. É… tem caminhos que não levarão a Roma.

Comecemos por uma citação do psicanalista Jorge Forbes: “A neurose é a maneira perfeita de se dar sempre razão”. Sim, uma maneira perfeita de estar sempre na defensiva, achar que o que o outro diz é uma tentativa de prejudicá-lo, de desarrumar sua imagem, de “achar defeito” em você.

Cuidado, você pode estar infectado com o vírus TSP (Tentativa de Ser Perfeito). Não se ofenda. Claro que não admitimos jamais esta possibilidade. Bem-dizemos que a perfeição é só para Deus.

Pois é, “bem-dizemos”, mas não “bem-vivemos”. Quando alguma falha nos é apontada, dói lá no fundo da alma e nós, num gesto automático, empurramos o punhal e o apunhalador.

Paulo Gaudêncio, um psiquiatra e terapeuta muito respeitado, diz que, quando erramos, os verdadeiros amigos falam para nós e os falsos (vulgos inimigos disfarçados) falam de nós.

Perguntinha intrigante: por que será que, quando alguém nos critica, sentimos-nos ofendidos e em nossa fuga de nós mesmos, na neurose nossa de cada dia, nos damos sempre razão? Tem algo aqui que não combina!

É que só nos damos razão externamente – “pra inglês ver”, para convencer o outro. Internamente, ficamos cozinhando nos caldeirões de enxofre de culpa e mal-estar do nosso inferno interno.

Lição simples: fazermos de conta que não erramos e que temos sempre razão só resolve o externo, se é que resolve. Em nossa ingenuidade (neurose é sempre infantil, não se esqueça), não vemos que os outros nem mesmo acreditam em nosso teatrinho. Mas como eles fazem o mesmo, o bairrismo e o medo de sermos descobertos nos levam ao “faz de conta” universal. Uns protegendo as babaquices dos outros.

Outro caminho que não leva à Roma do gostar de si mesmo é outro teatrinho, se me permite a repetição. Confesso que fico enternecida pelo afinco com o qual algumas pessoas se aferram ao papel e por isso quero contribuir para que possam um dia – quem sabe? – sair da condição de teatro e cair na vida vivida.

De quem estou falando? Das “poderosas” e dos “machos alfa”, que também deixam escapar, em seu esforço indisfarçável de mostrar e convencer o outro de sua enorme potência, umas rachaduras – que são as de todos nós.

Vale o esforço de buscar de fora a confirmação, mas o caminho é para dentro. É perguntar o que você de fato gosta e quer. Se você gosta de café e toma chá para parecer chique, isso te tira o pequeno prazer de ser o que é. A soma de todas as negações do seu ser dá como produto a palavra INFELICIDADE.

O efeito do “gostar de si” se manifesta numa certa serenidade, uma alegria indizível de pele, de olhar, de gestual. Um jeito de quem está confortável dentro de sua própria pele. Bem vestido de alma, bem calçado da segurança de ser o que se é.


Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 26 de novembro de 2015.

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