“O homem é produto do meio.” Frase bastante conhecida e aceita. Já “no princípio era o Outro”, nem tanto. Mas é assim que a psicanálise nos permite definir nossa relação com o mundo. Somos produto dos nossos encontros com o Outro que habita esse mundo no qual entraremos e habitaremos.
De saída, em nossa origem biológica, somos produzidos pelo espermatozoide de nosso pai e pelo óvulo de nossa mãe. Daí nos multiplicamos tomando emprestado o corpo dela, nossa primeira morada – um incubatório no qual nos preparamos para vir à luz ou, melhor dizendo, vir ao ar – que é o mundo não aquático no qual passamos a viver.
Ao nascer, temos braços que nos acolhem, corpos que nos estreitam, seios que nos alimentam, mãos que incessantemente nos zelam e cuidam.
Verdade é que nascemos do desejo do Outro que, nos projetando em seus sonhos, nos esperou ou, sem nos esperar, nos desejou depois.
Nascemos das palavras que nos ensinam, dos sentidos, das razões, dos objetivos. O Outro nos dá a civilização para nela vivermos, nos insere no simbólico para dele desfrutarmos.
Tudo o que somos se origina no Outro. Não só pai e mãe, mas todos os encontros que vamos tendo na vida que nos esculpem e tomam parte do processo de nos tornarmos os seres que somos, como os professores, por exemplo.
Dia desses, recebi uma “carta do leitor” no POPULAR, belíssimo presente-reconhecimento. De quem? Da minha professora do Lyceu de Goiânia Maria Helena Garrido. Sua carta nada mais foi do que a demonstração inequívoca do quanto ela, como professora de francês, entrou em minhas veias e hoje eclode em minha relação com o mundo e com a língua que ela me ensinou.
Posso falar também da professora Maria das Graças, do CCBEU, que, além de tantos olhares confirmadores e animadores, um dia me entrega um boletim com enorme brilho no olhar e a frase: “Parabéns, você tem um futuro brilhante pela frente!” Com uma frase como esta se repetindo em nossa cabeça, quem não vai para frente e constrói uma linda vida?
Nascemos, e vamos nascendo de muitas formas pela vida toda, de todas as relações que mantivemos. Nos influenciamos mutuamente de maneiras impensáveis.
Como se deu com minha eterna (sim, minha eterna porque está aqui dentro de mim para sempre) professora Maria Helena, que não pode pensar que foi só francês que me ensinou. Lembro-me com clareza da sua sutil elegância ao entrar na sala, a maneira como carregava os diários de classe e livros e os depositava sobre a mesa.
Ela, assim como Marlene Crotté e a professora Helenice – uma eterna princesa da Alliance Française de Goiânia -, foram juntas, para mim, exemplo e comprovação do quanto mulheres guerreiras e intelectuais podem ser também charmosas e femininas.
Minhas queridas mestras, não só de francês, mas de respeitoso carinho, de presença que dá vontade da gente crescer para chegar perto do que nos parece tão bom, vocês me nutriram de tudo isso.
Sim, porque nos nutrimos das pessoas com as quais nos relacionamos. Nos nutrimos dos encontros que a vida nos proporciona. Encontros marcantes que edificam uma vida.
É a absorção de todos os encontros processados dentro de nós que produzem um ser único que será um presente para o mundo: mais um ser humano para enriquecer a vida na Terra.
E ainda tem quem fique correndo atrás do elixir da eternidade sem perceber que também isso é dado ao ser humano: nós não morremos, nós continuamos a correr nas veias daqueles que aprenderam conosco.
Honra a vocês, queridas mestras e fontes de inspiração, projetos e construções, e meu eterno agradecimento.
A vocês também ofereço o presente de mantê-las vivas no mundo e passar os seus “genes de comportamento” para todos aqueles que de mim também se nutrirão.
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Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 18 de fevereiro de 2016.