Aqui está uma analista que não tem o menor apreço por futebol e que vai falar de um jogador… e de um que chorou!
Vi – por acaso, diga-se de passagem – a cena da despedida de Neymar do Santos e confesso que não resisti à vontade de compartilhar com vocês o que em mim ela suscitou. Comovente, impactante, sei lá… me tocou… profundamente.
Depois de seu discurso em catalão, deixando os próprios torcedores nativos ensandecidos, não me segurei mais. Não dá pra segurar: explode, coração!
Gente, Neymar deixou companheiros e amigos com os quais construiu sua história não somente de jogador, mas também de ser humano, porque para o adulto a profissão é a sua maior marca identitária.
Quando vamos nos apresentar falamos “quem” somos: professor, dentista e tc. Foi-se o tempo em que se dizia que, pra conhecermos bem e verdadeiramente alguém, era melhor não saber a sua profissão, como naquela historinha que já ouvi de que as verdadeiras amizades são as de infância e adolescência porque, quando crianças, não temos amizades de “interesse”.
Hoje, porém, num mundo de escolhas, a escolha profissional que alguém faz fala sim de quem ele é. A profissão forma o homem – essa é a idéia.
Então aquele menino recém-adulto se despede de seus companheiros de crescimento e seu choro nos comove porque sabemos que ele tem tanto, tem tudo o que o dinheiro pode comprar. Mas dinheiro não compra companheirismo, não compra uma história escrita no dia a dia. História longa que não se encontra à pronta entrega pra se comprar.
Vejo aquele rosto sempre brincalhão, feliz, moleque, a própria imagem de quem faz o que gosta e curte, naquele momento com lágrimas descendo incontroláveis, escorrendo pelo queixo, pela boca, caindo na camisa.
O que pode nos transmitir o choro de um menino-homem que tem tudo o que a maioria das pessoas sonha ter?
O que será que ele não tem? Ah, mais dinheiro. Lá ele ganhará muito mais? Aí ele chega lá e diz que está realizando um sonho (olha o menino que não deixou de sonhar). Ele fala com o coração e isso inflama a multidão.
Ele é desejo.
Quantos de nós já deixamos algo precioso e fomos atrás de outra coisa que naquele momento se fazia mais preciosa ainda? Não nos acovardamos no que as pessoas iriam pensar. Se iriam se sentir rejeitadas por nós ou dizer que estávamos cuspindo no prato que tínhamos comido. Que estávamos nos vendendo.
Esse brasileirinho está dando um show de amadurecimento em saber equilibrar o que deixa e o que abraça. E ele convence. O seu desejo particular faz com o que o “perdoemos” por nos deixar. Não é pelo vil metal, é por desejo. E pelo desejo vale.
Meus leitores me desculpem o mico de, sendo uma completa ignorante do assunto, falar de futebol. Tem um atenuante: não falei de futebol mas de desejo. Quero mesmo falar do lugar daquele que não sabe mas sente.
A esc olha de Neymar, da maneira como ele viveu esse momento, tomo como o maior exemplo que pude ter ultimamente da grandeza que é ir atrás de seu próprio desejo, pagando-se o preço, mas vivendo o que se quer viver.
Dinheiro não geraria toda aquela emoção. Ninguém me convence do contrário: aquilo é desejo na sua forma mais pura.
Quando aqui na coluna escrevo de novo e de novo sobre os valores que estamos construindo no século 21, o choro de Neymar é uma vitrine do que tento clarear. Ele chorou por deixar seres humanos significativos ao seu redor e exulta por estar adentrando ao seu conto de fadas.
Estamos num mundo em que, segundo a psicanálise, os seres humanos vivem um tipo de laço social que leva o nome de “novo am or” – o mundo onde o outro ser humano é o bem mais precioso da vida.
Eu diria que Neymar vive isso e é essa a razão de todo o seu charme e sedução.