A perfeição é para Deus. Se ela é um atributo somente de Deus, como posso então afirmar que a perfeição tem conexões diretas com o inferno, que não é o território de Deus?
A conexão se torna possível desde que desloquemos a perfeição para o território dos humanos.
O ser humano que quer ser perfeito ou que, pelo menos, acredita na possibilidade já comprou a passagem, tomou o voo e entrou nos domínios do inferno.
Pincei algumas definições de inferno para ficarmos mais esclarecidos sobre a questão. Definição 1: lugar destinado ao castigo eterno. Definição 2: vida de sofrimento. Definição 3: coisa desagradável.
É, pois, um lugar de sofrimento. Lugar onde pagamos os nossos pecados, pelos nossos erros.
Querer ser perfeito, acreditar que esse é um atributo acessível ao ser humano, não é cometer um pecado, mas um erro. Erro grande. Equívoco colossal.
Pagamos esse erro com o quê? Vivendo no inferno. Inferno da cobrança sem fim, da insatisfação que não acaba nunca. Pois, se a condição de ser perfeito não é conseguida, a cobrança permanece, insidiosa e atormentadora.
Ora, mas podemos pensar que, se pelo menos não tentarmos chegar à perfeição, aí é que a vaca vai para o brejo mesmo.
Verdade? Você acha mesmo que se impor um alvo impossível é abrir caminho para uma vida melhor?
Muito pelo contrário: propor-se a realizar o impossível é condenar-se a uma vida de frustração e desaprovação eternas.
Não confunda buscar se aperfeiçoar, melhorar, crescer, se deslocar e aprender com buscar a perfeição.
E mesmo o aperfeiçoamento não é perfeito – desculpe o trocadilho, mas é isso mesmo. O processo de aperfeiçoamento se dá mais como o andado do bêbado, dois passos para frente e um para trás, do que como o passo de desfile militar: pomposo, perfeito, reto, sem falhas.
Falhamos o tempo todo. Que horror! Será?
Mancar não é pecado, mancar é a condição humana, afirma Lucien Israël – grande psicanalista europeu que escreveu um livro com esse título. Nesse livro ele discorre de forma interessante sobre o tema dizendo que, como nenhum ser humano tem o comprimento das duas pernas exatamente igual (nem que a diferença seja milimétrica), todos mancamos a cada passo que damos. Nem por isso, no entanto, deixamos de andar lindamente. Alguns mais que os outros, como é o caso da nossa deusa das passarelas, a brasileira Gisele Bündchen. Mas até ela manca ao caminhar.
Não tem no mundo Garota de Ipanema que não manque, e, veja só, não faz a menor diferença. A gente nem nota.
Defeitos aparecem sob a lupa de quem fica procurando ver falhas em tudo. Para que ver as falhas? Para consertar, é claro. Para tudo ficar perfeito. A intenção é boa, mas o resultado desastroso, melhor dizendo, infernal.
Quer passar a sua vida queimando no fogo do inferno? Com sua mente te cobrando dia e noite que não fez isso, que aquilo não está bom, que aquilo outro que vai fazer não vai funcionar (leia-se: não vai ficar perfeito)? É só querer ser perfeito que você cai imediatamente nesse território. Passagem direta sem escalas nem conexões.
Quer fechar as portas do inferno atrás de você e não mais retornar àquelas plagas? Conviva bem com suas falhas. Não queira ser igual a Deus – ele, sim, perfeito.
Contente-se em seguir o seu caminho tentando viver bem, da melhor maneira que puder, nem sempre conseguindo, mas sabendo que é assim mesmo que é a vida.
O destino do ser humano é a imperfeição.
E tudo bem, não arranca pedaço. A vida é boa assim mesmo!