Família, lugar onde o desrespeito é permitido

A família é o primeiro lugar onde nos relacionamos com o outro. Quais seriam as consequências disso?

Será que é por isso que ela tem a permissão de continuar a ser o lugar que permanece para sempre com trocas primitivas, iniciais, sem evolução, sem melhora ou aperfeiçoamento?

Li, me encantei, levei para casa e preguei na frente da geladeira com um ímãuma pequena e adorável lista que fala de características que seriam muito bem vindas nas relações familiares. As palavras que trazem magia ao mundo doméstico são: gentileza, originalidade, humor, otimismo e generosidade.

Vamos a uma volta de reconhecimento da área.

O quanto de gentileza é praticada nas relações familiares? Parece que o que mais há é irritação, impaciência, intolerância e outros “im” por aí.

Originalidade, aí a coisa está longe de acontecer, porque a família é o lugar por excelência onde se manifesta a repetição neurótica. Ninguém muda de papel. É cada um por anos a fio repetindo as mesmas frases e os mesmos atos. Brigando as mesmas brigas.

Humor. Ah, como é gostoso rir juntos! Como faz bem! Mas como pode existir humor (bom humor então…!) num lugar de desrespeito e da cegueira da repetição? Então o humor e o bom humor ficam de fora. Coitados, tão maltratados nas famílias!

E o otimismo? Já viu relações mais baseadas no pessimismo? Olha que posso provar!

Sabe aqueles telefonemas que um dá pro  outro, muitas vezes diários? “Tá tudo beeeeeem?” Assim mesmo, com ênfase no “beeeeem”. Como se estivesse suspenso num medinho qualquer de que haja algum problema. Se for de saúde: “Ai, vou ter que levar alguém ao médico”. Dinheiro: “Ai, vou ter que emprestar alguma grana”. A ideia é: vai sobrar alguma encrenca para mim.

Estamos, na verdade, menos preocupados com o bem estar do outro do que com o fato de que ele nos cause transtornos. Porque família tem que cuidar, né?

Por último, nos resta a generosidade. Dar para o outro. Difícil, já que família é lugar de receber, ganhar. Até a mãe que é toda “dar” quer o dela – permanecer mãe para sempre cuidando de quem já é grande, por exemplo. No fundo, puro exercício de poder de quem não quer “largar o osso”. Claro, que bom nem todas são assim e confessam imenso prazer e alívio de deixarem os filhos crescerem. De conseguir ver nos filhos os adultos que são.

Ou maridos que querem ser cuidados pelas esposas como se fossem mais um filho, o mais exigente e insatisfeito da prole.

Voltemos à generosidade, ao dar. Se de fato crescemos, podemos dar e não pedir como criancinhas impotentes. Dar gentileza, originalidade, humor. Dar ao outro porque já demos a nós mesmos. Se não for assim, o que restará é um bando de famintos, brigando e cobrando uns dos outros o que ninguém tem para dar.

José Ângelo Gaiarsa, grande psicólogo brasileiro, escreveu um livro cujo título é em si sugestivo: “A família de que se fala e a família de que se sofre”.

O mundo não padronizado nos presenteia com a possibilidade de termos um novo tipo de família que não é calcado na necessidade de enquadrar cada membro num modelo prévio.

Isso está permitindo uma grande mudança na qualidade das relações familiares que agora ganham contornos de uma verdadeira cumplicidade e amizade onde antes havia “amódio” – palavra que Lacan usava para expressar a ambivalência nas relações primitivas onde amor se misturava com ódio.

Por ser baseada no respeito ao modo de cada um ser e não na imposição de modelos, imaginem o prazer de pertencer e de estar juntos que as novas famílias vão usufruir.

As novas famílias serão os lugares mais deliciosos do planeta.

Aposto nisso.

Este post tem um comentário

  1. Lindo . Coma sua maçã e deixe cada um comer a sua.
    As Evas poderão sair do inferno e levar os seus
    para um paraíso.

Deixe um comentário