Os novos filhos respeitam os pais?

The Dance Lesson (Edgar Degas, 1879) - www.metmuseum.org
The Dance Lesson (Edgar Degas, 1879) – www.metmuseum.org

Luciene Godoy //

Se fôssemos borboletas, cupins, formigas, geração após geração, teríamos os mesmos comportamentos, uma sendo idêntica à outra. O termo “conflito de gerações” não faria o menor sentido.

Até o século passado, com a tentativa de padronizar o ser humano que era tão cara ao mundo industrializado, com necessidade dos iguais para produzir e consumir, até que tínhamos muita coisa que “parecia” igual aos outros.

Sim, só “parecia”, graças a um esforço imenso em corresponder ao ideal proposto para não ser excluído do grupo de semelhantes ao qual pertencíamos.

Aos pais sobrava a grande tarefa de “enquadrar” os filhos nesses padrões e a felicidade era garantida pela sociedade. Se no frigir dos ovos o filho desse um “bom pai de família”, a luta estava ganha. Se a filha não “se perdesse” e se casasse – para sempre – de véu e grinalda, os pais tinham tido sucesso.

Isso tudo se encontra tão distante de nós que parece até que nem fomos nós que vivemos sob esses valores e hoje estamos aqui, recém-instalados em um novo planeta feito cachorro que caiu da mudança.

Nossas crianças e adolescentes que são os novos cidadãos do século 21 nadam de braçada, surfam sobre ondas gigantes e a gente, meio de fora, meio de dentro, tentando fazer parte.

Isso é de arrepiar os cabelos. Como pode uma geração mais nova saber mais do que a mais velha?! Eles vão tomar o poder “gerontocrático” (quer dizer: o poder dos mais velhos).

Deus nos salve! Eles já têm a juventude, a força física e agora também as informações, que eram tudo que o adulto tinha para colocá-los na linha?

É, concordo! Estamos correndo um risco enorme… de vir a ter relações construtivas e de respeito ao jeito de ser de cada um, já que não tem padrão no qual acreditamos a priori.

Mas “se Deus não existe, então eu posso tudo”? Se as crianças não têm “respeito” pelos pais, elas vão bater neles?

Tenho colecionado histórias de crianças e adolescentes com seus pais que ilustram essas novas ocorrências. Uma delas compartilho com você aqui: recebi um casal com um filho de 4 anos em minha chácara e me deliciei por três dias com a relação que presenciei entre pai, mãe e filho, e dele – o pequeno humano – conosco, os da casa.

Vi, acima de tudo, uma criança que conseguia se expressar, comunicar suas necessidades e, pasme, seus desejos. E isso de forma eficaz, respeitosa, inteligente e sutil.

Ai, que alívio! Que colírio para os meus olhos, não ver uma criança mimada/onipotente/insegura (trata-se da mesma coisa), retrato fiel de pais que se gostam através dos filhos ou culpados que compensam os filhos com permissividade, mas um serzinho feliz no seu lugar de criança que depende, que respeita, mas que vai atrás do que quer com segurança e poesia.

Ainda me pego rindo sozinha quando lembro da carinha de “pequeno príncipe” dele, com aqueles olhinhos sorridentes me dizendo: “Será que dá pra sair um lanchinho?” Com todo aquele respeito e sedução que ouso dizer… adequados.

Ele sabia se situar na delicadeza das frases, das palavras e dos tons. Estava frio e não queríamos que ele fosse para a piscina, e ele cheio da imensa vontade de se jogar na água. Nem pense que caiu na birra do “eu quero agora”. Esperou o sol despontar e saiu informando a todos que estava “com muito calor”. O que será que a gente lhe sugeriria para se refrescar?

Gente! Será que nos damos conta de que um ser humano que pode cuidar de seu desejo tão competentemente e tão cedo é fruto de uma valorização – sem culpa nem protecionismo doente – que lhe foi proporcionada?

Está dando certo! Está acontecendo! E com muitas crianças e adolescentes que conhecemos. Graças a isso, vamos ter adultos menos “infantiloides”, dissimulados e chantagistas, pois saberão conseguir o que querem. Não vão usar o outro porque usam a si mesmos para obter o que desejam.

Os novos filhos respeitam seus pais porque respeitam a si mesmos.


Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 14 de janeiro de 2016.

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