Luciene Godoy //
Dentre tantos conceitos acerca do que seria característico do ser humano, do que representaria a sua essência, poderíamos tomar um e dizer que o ser humano é racional. É um animal racional que busca se sobrepor à natureza e que também acredita poder dominar a si mesmo, aos seus impulsos e paixões.
A natureza, por sua vez, é tudo o que existe no mundo material, que existe independentemente das atividades humanas.
Ou seja, se não fomos nós que inventamos a natureza, então, será que foi ela que nos inventou?
Parece, pois, pela própria definição que temos dela, que fazem parte da natureza os seres vivos em geral: animais (que nós somos, não nos esqueçamos), plantas, formas geográficas, fenômenos climáticos… O planeta Terra é a expressão ampla da natureza.
Orgulho de Homo sapiens – o homem que sabe – à parte, é a natureza que nos possui e não nós que a possuímos.
Fizemos tanto esforço, especialmente nos últimos séculos, para nos distanciarmos do nosso “lado animal” e nos tornarmos os mais artificiais possíveis – artificial que quer dizer simplesmente não natural, não criado pela natureza, mas sim pela inteligência do homem que pensa.
Parece que queremos, isso sim, “dominar” a natureza. Será que tudo o que a natureza criou é ruim e precisa ser repaginado pela prodigiosa inteligência do Homo sapiens – o sabidão? Será que a natureza é a inimiga a ser vencida ou a companheira a ser intergrada?
Como afirma a filósofa Viviane Mosé em seu livro O Homem que Sabe, “a humanidade que construímos, nesses últimos 100 mil anos de Homo sapiens, mesmo com suas inegáveis conquistas, mais do que estabilidade e autocontrole, apresentou requintes de crueldade superiores aos da animalidade, da qual queríamos tanto nos livrar”.
Achamos que o pensamento era mais amplo do que a vida. Que nossas interpretações alcançariam todos os fatos e ocorrências da vida. Até começarmos a descobrir que o pensamento é sempre um recorte, um pedaço da realidade que configuramos para buscar a compreensão, e isso, necessariamente, é uma limitação da pluralidade do mundo.
O que dizemos que o mundo é, na verdade, é o que percebemos dele, e isso, pasme, depende de nosso estado de espírito. Depende de nossas emoções. Cadê a razão para tomar o comando de tudo?
Pesquisadores atuais nos convidam a percebermo-nos como seres biopsicosociais. E note bem que o bio – de biologia, de corpo, de vida – vem primeiro. Isso em si já choca os seres pensantes.
É verdade que somos seres pensantes, mas dentro de um corpo que não é fruto só do racional. Que é fruto da carne biológica e das relações com os outros que fundam nosso psiquismo.
O grande médico e pesquisador – dentre outros temas, das causas do câncer – Ryke Geerd Hamer aponta que, na sociedade moderna, perdemos a atenção e a escuta às experiências sensoriais diretas. Tudo tem que ser mediado pela mente. No entanto, nossa porção “animal biológico”, que tem respostas acumuladas por milhões de anos de adaptação à vida no planeta, também é fonte de ajuda para vivermos melhor.
Quando, por exemplo, vemos uma cobra no meio da trilha, damos um salto provocado pela descarga de adrenalina e o mecanismo de ataque e fuga é acionado, independentemente de nosso comando.
Claro que existe uma interpretação do que é ou não perigoso por detrás da reação – informação passada pelo outro. Mas, ainda assim, o corpo trabalha de forma direta, sem passar pelo seu aval com muito mais frequência do que você imagina.
Pensemos, hoje, o ser humano como esse carrossel que gira tendo nossas três “naturezas”: a “bio-lógica”, a “psico-lógica” e a social, em um movimento ininterrupto em que cada uma, com mais ou menos proeminência, nos conduz às boas respostas ao desafio de permanecermos vivos.
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Artigo originalmente publicado no jornal O Popular, de Goiânia, em 24 de setembro de 2015.