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Mostrar que se está feliz pode?

No mundo edípico – do século 20 – não podia não.

Para ilustrar o fato, conto a história verídica de uma amiga, hoje com mais de 80 anos. Certo dia ela me disse que acabara de se dar conta da importância do comentário de uma tia que, durante uma festa na roça, ao ouvi-la, então uma jovenzinha de 16 anos, dando uma risada de felicidade, disse: “Ela parece uma sirigaita”. “Nunca mais fui a mesma”, confessou-me. “Passei a vida toda com medo de que me achassem arreganhada e fútil. Fui sempre vista como fechada e séria. Quantos momentos de riso e alegria deixei de viver!”

Em contrapartida, numa noite dessas, vi uma amiga fazendo malabarismos para fotografar um pássaro pousado perto do carro cheio de crianças entusiasmadas com a aparição. Eu, de lado, podia ver o sorriso em seus lábios, a satisfação de uma peraltice. Iria postar o momento. E olha que nem era um falcão maltês. Mas aquela corujinha banal mereceu tratamento especial.

Quantas coisas triviais postadas nas redes! Pequenas coisas do dia a dia que recebem uma dose extra no prazer de mostrar, de se fazer ver, que em si é também um prazer.

Antes, isso seria criticado e desaprovado – como ainda é pelos guardiães do passado, os chatos-infelizes disfarçados de intelectuais preparados para ler o mundo ou pelos ignorantes sabições de plantão, vulgos “donos da verdade”.

Nosso mundo de hoje promove o mostrar-se feliz.

Excessos sempre existirão. Forçação de barra para mostrar o que não se é faz parte. Mas, apostar na transformação é o fito.

O fato que aqui se discute é que o mostrar-se feliz com as pequenas coisas do cotidiano valoriza a vida que não é um palco iluminado no qual damos shows luxuosos, mas que tem os luxos da vidinha bem vivida e valorizada. Coisas banais, porém, coisas da vida, do palco da vida cotidiana, se quiserem, já que esse é também um palco onde vivemos nossas ficções, mas não o palco de Ivete Sangalo, onde se pagam milhões pela performance elaborada e cara.

Porque no palco de nossas vidinhas cotidianas vivemos nossos personagens: mãe, marido, profissional, amigo…

Fato é que esse pequeno palco está sendo valorizado.

Mostramos a foto de um belo bolo que fizemos e os amigos curtem ou comentam. Quer dizer: “Fui visto, fui aprovado, curtido, festejado”.

E isso é ruim?

Paremos com o preconceito de dizer que se exibir para o seu grupinho aplaudir é de uma pobreza inominável.

Afinal, um estudioso, um cientista, não se exibe para os seus pares e busca aceitação e aplauso?

Aí fomos longe demais: comparar uma produção séria e de peso, como uma descoberta científica que vai melhorar o mundo, com coisas pequenas e irrisórias?!

É isso mesmo: podemos nos orgulhar também das pequenas coisas.

Essas pequenas coisas, como propagar a receita ou entusiasmar as pessoas a fazerem seus belos bolos, também fazem o mundo melhor.

Pequenas coisas valorizadas, compartilhadas, podem, sim, fazer nosso planeta melhor e mais bonito.

Orgulhemos-nos das grandes, mas também das pequenas coisas porque são elas que povoam o nosso cotidiano, e é com ele que contamos para nos nutrir.

Nutramo-nos mutuamente das pequenas-grandes coisas e sorriremos mais, nos empolgaremos mais, coloriremos mais o mundo e isso já é muito.

Nunca ganharemos o Prêmio Nobel, mas ganharemos as chamas de entusiasmo participativo do nosso próximo. Chamas que se juntarão para fazer uma grande fogueira que aquecerá o nosso coração tão deserto e tão só.

Mostrar um momento de felicidade não é mais pecado, é uma tentativa de dar mais consistência ao fugidio de cada momento, obtendo a participação do outro pela palavra: curti, vi, achei isso ou aquilo.

Este post tem 5 comentários

  1. Lara Borges

    Ser transparente…
    Mostrar-se…
    PODE…

  2. Im no pro, but I believe you just crafted the best point. You obviously understand what youre speaking about, and I can actually get behind that. Thanks for staying so upfront and so straightforward.

  3. Mara Carvalho

    Luciene, amei o texto. Você escreve gostoso , fala de uma forma simples e amorosa.´Já imprimi e mostrarei para mãe. bjs.

  4. Silvia Trad

    Luciene , há um tempo atrás havia lido alguns textos depois da nossa conversa , mas nåo havia comentado. Hj resolvi , såo otimos ,adorei!!!! Mas essa foi demais , bjs. Silvia Trad

  5. Messias José de Melo

    Luciene sinto bem lendo seus texto em o popular. Abraços, Messias J. Melo. Jaraguá Goiás.

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