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Vírus e Vida 2

Luciene Godoy //

Fique longe de mim para proteger a minha vida!
Nunca pensei viver para experimentar tal frase como possível e benéfica.
Como psicanalista, não posso deixar de pensar nas incidências desse distanciamento (corporal) humano sobre nosso sentimento de “eu”, pois o “eu” está no outro também.
Em nosso funcionamento psíquico nos confundimos com os outros ao nosso redor. Nos identificamos com o outro, nos misturamos a ponto de não mais nos percebermos e de projetarmos no outro o que, na verdade, nosso é. Daí acontecerem muitas brigas e confusões entre pessoas que estão próximas.
Oi? Será que estou dizendo que a distância ajuda a gente a viver melhor?
Isso é absolutamente verdadeiro. Sim, estou dizendo que a distância é um santo remédio para curar relações conflitivas.
Mas, é claro, eu falava de distanciamento emocional, não exatamente do físico pelo qual estamos passando.
Podemos tomar a pandemia como uma metáfora. Mais que isso, uma materialização do que já acontece em nossas vidas emocionais.
Seremos sábios se aprendermos a nos proteger do outro naquilo que, provindo dele, nos faz mal e, também, igualmente sábios seremos se nos ligarmos, nos conectarmos àquilo que do outro vem e é necessário ou faz bem.
Nas relações entre humanos, administrar as interferências é de vital importância para quem quer ser feliz. Fazer uso do famoso “mantenha a distância” é uma arte e escolher quando deixar alguém “chegar perto” é também uma arte, a nobre arte do bem viver.
Mantenha a distância é um imperativo de vida!
No aspecto emocional da vida sempre foi, você é que não sabia disso. Hoje, no entanto, esse imperativo se encarnou e entrou em nossa liberdade de ir e vir, de tocar quem queremos. Fomos levados a uma situação em que a distância física também é vida.
No entanto, paradoxo, somos seres interdependentes.
Nossa dependência do outro é eterna. Quando nascemos, da mãe que tudo provê; quando crescidos, permanecemos até morrer dependentes de sermos adotados – a palavra é essa mesma – pelos grupos sociais em geral, sejam eles familiares, de amigos, profissionais. O mundo todo nos acolhe ou não e, para isso, temos documentos, passaportes, dinheiro, conhecimento e outros recursos que ajudam nessa integração, a pertencer.
Ainda assim, descobrir como o nosso aspecto ser-só-na-vida nos dá competência para bem viver é essencial.
O coronavírus está nos levando à descoberta de nossos (novos?) valores intrínsecos e extrínsecos:
“Sou mais do que pensava ser.”
“Consigo fazer o que não imaginava ser possível.”
“Faço a diferença.”
“Por menor que seja, daqui do meu lugarzinho no planeta eu destruo ou protejo o mundo.”
Essa reviravolta planetária deixará grandes heranças.
A descoberta sentida na própria pele da nossa importância individual para compor o grande quebra-cabeças que é o mundo é a maior herança, repito, deste evento transformador.
Um vírus está nos ensinando que …
Sozinhos somos mais fortes…
Essa afirmação assusta você?
Então, termino a frase:
… e juntos também!

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Imagem: Canva Magic Media (gerada por IA)

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