Vamos fazer uma DR?

Estamos profundamente marcados pelo racionalismo que desde o século 18 guia a nossa maneira de ser. Ops! Já ia escrevendo que o racionalismo “guia a nossa maneira de pensar”. Até parece que ser é a mesma coisa que pensar.

O pensamento racional, a razão colocada como instrumento para entender vida, foi o que se seguiu ao pensamento religioso em torno do qual o ser humano estruturava sua vida no mundo na Idade Média.

Ficamos viciados e – pasmem – cegos pelo fato de acharmos que só o racional trará a solução desejada.

Aí vem conversa em cima de conversa, explicações, reprimendas, conselhos… exigências… comandos.

Mas então como encaminhar conflitos se não pelo diálogo? Não dá nem para imaginar outras escolhas.

É, mas tem, sim.

Por exemplo: o silêncio, que bem manejado pode ser precioso. Não o silêncio emburrado, da vítima, mas o silêncio escolhido, colocado no lugar e na hora certa.

Temos o humor e nesse caso até humor negro está valendo. Uma tirada inesperada, uma ironia bem jogada, pode mudar uma situação de supetão, sem a menor necessidade de longas explicações, tentativas cansativas de convencer o outro.

Podemos levar o outro a enxergar um novo ponto de vista, uma outra maneira de enxergar algo, simplesmente tirando-o do lugar onde está, meio que num empurrão. Só que seria um empurrão subjetivo.

Empurrão subjetivo? É, veja o exemplo (verdadeiro).

Cena um: o marido, contrariado com a nova roupa da esposa, a cutuca em várias ocasiões mostrando seu desagrado, até que, perdendo a paciência (já que a outra escorregava do confronto),  metralha com os olhos profundamente desaprovadores: “Esta roupa não tem a sua cara”. Ela poderia começar uma DR (Discussão de Relacionamento) infindável sobre a falta de respeito pelo seu jeito de ser, pelas suas escolhas etc, etc. Ele poderia responder de forma agressiva negando a falsa acusação. O cinema poderia ser estragado, o momento de amor, perdido, o príncipe viraria sapo, a princesa viraria sapa. Um horror! DR é isso aí. Porém ela, sem pestanejar, em cima da bucha, ela responde sorridente e brincalhona: “Mas esta é uma das minhas caras que você não conhecia!”

Cena dois: o marido fica espantado e meio envergonhado ao se perceber tentando impedir um outro ser humano de ser o que quer.

Cena três: os dois sorriem e se fitam com o olhar malicioso e cúmplice. No ar o sentimento de “saquei”. Conflito resolvido e mais uma lição aprendida. Ela conseguiu passar a mensagem e ele a entendeu, sem explicações, choro e ranger de dentes.

Um longo diálogo explicando a necessidade do respeito pelas escolhas do outro? Em vez disso uma pancada bem humorada que produziu o efeito desejado de abrir os olhos do outro, de mudar sua posição, deslocá-lo de suas certezas.

A DR é tãããooo cansativa (para elas), tãããooo enfadonha (para eles) e dolorosamente ineficaz. Convenhamos, na maioria dos casos ela gera mais obscuridade do que esclarecimento… e… mais briga, muito mais desentendimento e briga.

Talvez seja meio demais – não tenho tanta certeza disso – chamar a DR de Destruidora de Relações, mas pelo menos destruidora de bons momentos isso ela é.

Creiamos na eficácia de outros modos de resolvermos impasses na relação amorosa.

O bom humor pode ser nosso grande aliado na condução de conflitos, ao invés de longos, cansativos, repetitivos e ineficazes diálogos.

Vamos diversificar nossos instrumentos para dialogar com o outro. Desloque-o com belas e criativas “chaves de braço”. Desvie as flechadas negras produzindo com isso leveza! Surpreenda! Em outras palavras, mude o rumo das coisas em ato e não no falar, conversar e discutir.

Não fale, mude.

Que tal incluir no seu “kit busca de mudanças” o Empurrão Subjetivo?

Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 8 de março de 2013.

Este post tem um comentário

  1. Maria Helena

    Luciene, é muito importante acrescentar a imagem no artigo, uma imagem funciona paca.

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