Esta frase de Dostoiévski – um dos maiores romancistas russos – pode soar como um habeas-corpus eterno. Até mesmo como uma absolvição a todos os pecados e a todas as maldades feitas no passado, no presente e no futuro.
É o convite à farra do boi humana. Uns comendo o fígado dos outros.
Até vejo o mundo virando aquelas cenas de inferno pintadas em certos quadros da Idade Média, com corpos contorcidos, fogo, enxofre, cabeças e membros despedaçados. Uivos e dor.
Me vêm à cabeça também cenas da passagem de uma guerra, deixando atrás de si rastros de destruição e pilhagens.
Homo homini lúpus – o homem é o lobo do homem – vai ser pouco. O planeta vai estar povoado de Hittlers. Claro, porque imagina: se com todo este aparato para conter a maldade que habita em cada um de nós, acontece isso, imagina a besta fera estando solta e à vontade no pasto verdejante, não só vai se fartar do capim como também pisotear o resto para que ninguém usufrua do que ela pode comer.
Só dá para imaginar destruição, não é verdade?
Talvez não.
Se alguém deixa de crer no pecado e na condenação, ou até mesmo deixa de crer nesse Deus-babá (é que alguns acham que têm um Deus que cuida deles como uma babá cuida de uma criança), essa pessoa vai se responsabilizar muito mais não só pelo jeito que ela é e se comporta como também pela construção e destruição do mundo que a cerca.
Ela vai se tocar de que não dá para continuar a fazer sujeira que o outro – no caso, o Deus-babá – vai limpar eternamente. O mundo de fato é redondo, disso ninguém duvida. Por isso a sujeira vai mas de alguma forma volta para sujar o quintal do sujismundo.
Os maus-tratos de alguém vão sendo replicados em efeito dominó e voltando pra onde? Surpresa! Bate na porta da casa do babaca que acha que o mundo é quadrado e que causa não tem consequência.
Agora o outro lado da Terra.
Já que acabamos de enxergar o lado obscuro da Terra, e se o seu lado iluminado fosse ela ser habitada por pessoas que descobrissem o seu enorme poder de construção e não só de destruição?
E se esse ser humano da face iluminada da Terra se deixasse levar pelo gosto não de vencer o outro, mas de vencer o seu narcisismo e se enlaçar em relações sustentadas no prazer de estar junto e não na necessidade de se impor e destruir?
Convenhamos: é muito prazeroso estarmos em boa companhia. É bom demais estarmos juntos!
Aquelas propagandas de construir um mundo melhor nos emocionam, mobilizam e parecem perfeitamente possíveis, mas por que é que tudo termina em pizza? Parece que tem sempre os espertinhos que se aproveitam, e algo que era para o coletivo vai para o bolso de algum desonesto, para a mulher dele, torrar fazendo suas comprinhas na Europa, para adquirir bens diversos e para se rodear de puxa-sacos (que, por serem uma mentira, não salvam ninguém da solidão). Em que prisão solitária e triste se metem os coitados incapazes de amar e respeitar!
É verdade, isso acontece. O que é novo é o poder que tem cada cidadão do mundo hoje, em nossa Era da Comunicação, de com a ponta dos dedos alcançar os quatro cantos do planeta e fazê-lo ver e saber de um fato que deseje comunicar. De passar a sua mensagem sem intermediários.
Tem muita gente sacando que, se passamos as pessoas para trás, ficamos sozinhos em nosso gozo. Pra que ter, se não for para a convivência? Sem o outro, não somos nada.
Vamos cuidar do outro porque ele é parte imprescindível em nosso regime de prazer.
Sem o outro,a festa da vida não se realiza.
Se tudo é permitido, se podemos tudo, então por que não escolher ter o outro ao nosso lado e não como nosso inimigo?
Por uma simples razão: precisamos do outro para viver. Ninguém é feliz sozinho, já dizia Vinicius de Moraes.