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Quem tem história para contar

Quando se escreve uma biografia é básico citar onde a pessoa nasceu e onde morreu.

Mera necessidade de satisfazer a curiosidade do leitor?

Vejo mais poesia nisso do que a passagem de informação. É a vida que alguém viveu sendo colocada em leque, não simplesmente do nascimento à morte ou do começo ao fim. Vejo o desfilar dos feitos de sua vida. O deslocamento, o percurso, a busca, o tomar posse.

Nascemos onde não escolhemos, mas sair ou permanecer, ir atrás, construir são a nossa parte nessa história.

Podemos nascer e morrer na mesma rua, na mesma casa, e termos ainda assim saído do lugar que nos deram. Acho mais difícil, mas vá lá: fazer daquela casa de criança uma casa de adulto – daquela vida de criança falada pelo outro (“ele é tão bonzinho” ou “ela é tão danadinha”) e vir a ser nossa própria versão, sem mudar de ambiente – é uma tarefa gigantesca.

No entanto, não nos enganemos, sair de uma cidadezinha do interior e terminar em Nova York pode não significar nem crescimento nem mudança. Porém, nessa escolha pelos encontros e desencontros com o desconhecido e o inusitado vão se multiplicando as possibilidades de aprendizado e mudança.

Lamentavelmente, acontece com bastante freqüência de algum personagem conhecido, ao ser entrevistado, deixar transparecer aquela mesma criança que olha assustada como que dizendo: “O que estou fazendo aqui?” É o tal do “complexo de fake”, que quer dizer falso, não verdadeiro, imitação. Os que confessam tê-lo afirmam que frases como “Vão descobrir que eu sou uma farsa, que não mereço isso, que não sou quem eles pensam que sou” são as que lhes passam pela cabeça.

Que pena porque esse não descobriu que podemos, sim, pertencer ao lugar novo que construímos e conquistamos. Que aquele é o lugar de um segundo nascimento, aquele que nós mesmos provocamos ao escolher e fazer existir.

A condição de vida ou o lugar de onde saímos é o ponto de partida, vai ser sempre parte de nossa história, mas não pode ser interpretado como o único lugar “verdadeiramente nosso”.

Nascer e morrer em lugares diferentes é nascer de um jeito e morrer uma outra pessoa. Nascer com o que me deram e morrer com o que eu me dei, numa construção que se deu a cada experiência e a cada escolha feita.

É isso! Ao morrermos, poderemos estar cheios de vida porque ela foi intensamente vivida.

A melhor resposta que podemos dar à morte é viver -e ter tido uma vida na melhor versão possível, sentindo que tem ao fim uma história para contar.

Este post tem um comentário

  1. Chegar nesse final, antes do final é encontrar a paz, não uma paz completa, mas uma satisfação de estar quite consigo mesma. Adorei!

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