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Tobias Healing the Blindness of His Father (Jacques Blanchard, data desconhecida) (imagem editada)

Novos pais, herdeiros dos filhos

Podemos dizer que os pirralhos estão metidos demais? Que não sabem de nada da vida? Que não têm respeito pelos mais velhos? Ou conseguiremos ver que eles funcionam de uma mesma perspectiva: estão cuidando de si, mostrando o que pensavam sem ficarem paralisados diante do que o adulto propõe?

Será que podemos dizer que os pais estão perdidos e os filhos nem tanto?

Para a geração anterior, as palavras dos adultos eram verdades pesadas. Até mesmo quando nos rebelávamos contra elas o fazíamos pagando o terrível preço de desafiar as certezas inquestionáveis dos adultos. O que custava, às vezes, uma vida inteira de culpa e fracasso por lutar contra a nossa “escolha errada”.

Os mais velhos, quando vinham nos dar conselhos, o faziam do lugar de quem sabia o que deveríamos fazer. E o discurso que mantinham era sempre o de quem estava certo na vida. No modelo social das relações verticais de poder, o adulto não admitia sua falha para o jovem, senão ele – o jovem – perdia o respeito por quem deveria ser o seu guia.

Como ninguém chega a dar conta de viver 24 horas por dia cumprindo um ideal, frequentemente aconteciam as incongruências, muitas vezes denunciadas pelos filhos, mas negadas pelos pais.

Os papéis eram bastante exigentes e os pais, em sua fragilidade humana, se esforçavam para sustentar o que se esperava de “bons pais”. Muitas vezes ficavam perdidos tentando afirmar valores fixos e se enfiando também na forma, acreditando que aquele era o bom caminho.

Claro que isso gerava filhos confusos, e que – e esse era o pior malefício – não conseguiam acreditar em suas próprias percepções. Abriam mão delas para se forçar a ver o que “deveria” existir, mas que só estava sendo falado e não vivido. Sem poder acreditar em suas próprias percepções, sendo os pais os donos da verdade, ao filho nada mais restava do que obedecer.

Hoje os filhos estão podendo ver e afirmar o que percebem sem os pais terem que saber por eles. Estão, desde muito cedo, sob a influência de diferentes meios sociais, recebendo informações que facilmente ultrapassam as que os pais lhes fornecem.

Você se dá conta de que, pela primeira vez na história da humanidade, a geração mais nova pode ensinar alguma coisa à mais velha e não simplesmente ser envelhecida – ou muitas vezes corrompida por ela?

Sim, é assustador, mas é verdade. Estamos aprendendo descaradamente com os nossos filhos. Podemos herdar deles o olhar novo que o adulto padronizado perdeu.

Nunca antes a humanidade pôde viver essa troca, só possível hoje pelo momento histórico da existência de um saber horizontalizado. Há cada vez menos a posse exclusiva do conhecimento.

O saber está no ar. Aproveitemos!


Artigo originalmente publicado no jornal O Popular, em 22 de março de 2015.

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