Luciene Godoy //
Ao vestirmos uma roupa nova, por exemplo, passamos a possuir um objeto que não tínhamos. Sentimos um bem-estar que pode durar minutos, horas, dias ou até mesmo muito tempo. Durar muito tempo é a exceção, não a regra.
A sensação costuma durar o tempo da percepção, ou seja, o tempo do sentimento de presença do objeto novo. Mas geralmente o “enfeite do eu” logo murcha, tal qual o buquê de flores tão lindamente fresco na hora que foi recebido e que no outro dia já não é mais o mesmo.
Não é preconceito contra o velho. É que o que chamamos de novo nada mais é do que o presente. O que chamamos de velho e novo são o vivido e o que estamos vivendo. O passado e o presente.
É como se cada objeto “novo” que compramos fosse para nos dar a ilusão de estarmos vivos e presentes. E viver cada dia, viver cada momento, é já estar no “novo”. É esse o raciocínio.
Novo não é o último celular lançado no mercado. Novo é o sentir-se vivendo o presente, degustando momentos que por mais banais que sejam são, por definição, únicos e novos – sem serem comprados como a última sensação do mercado.
O seu café da manhã de ontem não é o de hoje. Não tem como ser porque de fato é um outro dia. Se é outro dia, as coisas não podem mesmo ser iguais.
Ah, mas uma cabecinha doente pode, sim, fazer com que todos os cafés da manhã pareçam os mesmos e até se esforçar para que sejam, comendo o mesmo pão com manteiga e bebendo o mesmo leite com café na mesma e velha amiga xícara de todos os dias – uns iguais aos outros.
Mas espera aí. Não tem jeito de comer o mesmo pão, que a essas alturas já se encontra no esgoto!
Cabeça doentinha, fixada, come sim o mesmo pão porque a boca que come igual não se lembra de que quem come é sempre outra pessoa. Simples assim. Quem come o pão a cada manhã não é a mesma pessoa, pois já foi transformada por mais 24 horas de vida.
E se nessas 24 horas não aconteceu “nada” de novo? Acontecer, aconteceu. Se a pessoa não quis registrar, não valorou nem deu peso e importância – a importância das pequenas coisas –, aí o novo só vai ser sentido como novo se adquirir o que “todo mundo vê como novo”. Não os novos mundos, maiores ou menores que povoam o seu dia a dia, mas os que seus olhos cegos não vêm, seus ouvidos surdos não escutam, sua pele morta não sente.
O “eu”, para se sentir vivo, precisa de comida nova (igual ao corpo, a comida do dia anterior só sustenta por um tempo).
Então, não tem jeito: é consumir mesmo para dar a sensação de vida ao eu? Nada disso. Tem muita gente descobrindo que enfeite vem de dentro. Vem dos pensamentos e dos atos que nos agradam, que por alguma razão nos deixam felizes com a gente mesmo.
Pode ser qualquer coisa, inclusive comprar um celular novo. Que dessa forma não será um enfeite externo e sem sentido pessoal. Será para usufruir e não para mostrar quem se é pelo que se tem.
Enfeitar-se com os mais novos objetos de desejo oferecidos pelo mercado para atrair os olhares, conquistar um lugar garantido pela marca X ou Y, nada mais faz do que tornar-nos iguais e, efeito mais do que indesejável, sozinhos. Sozinhos de nós mesmos. Vazios de nossa própria companhia.
Enfeite externo é muito bem-vindo. Os melhores produtos podem tornar nossa vida muito gostosa mesmo. Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Os enfeites são carregados por quem tem corpo. É ele que porta o que adquirimos.
Se não estivermos bem dentro da nossa própria pele, não é um penduricalho qualquer que vai conferir riqueza ao nosso corpo.
Com os “enfeites do eu”, ficamos, isso sim, feito cachorros que caíram da mudança, de pires na mão, perguntando aos outros o que acham de nossa mais nova aquisição: “Uma esmolinha, pelo amor de Deus. O que você acha de mim?”
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Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 29 de maio de 2015.