Adoecemos quando amamos

Luciene Godoy

O amor é um laço, uma relação que criamos com o outro para não ficarmos sós.

É o que de melhor conseguimos criar para substituir – ou bem ou mal – a perda da fusão, a ligação primeira, totalizante, com o corpo da mãe, que deixou em nós as marcas de uma existência sem separação. É um modo de existir que todos nós um dia tivemos.

Chamamos à relação que se estabelece nesse primeiro momento da vida humana e que se dá do nascimento até mais ou menos o sexto mês de idade de “díade”. A própria definição da palavra díade é um conjunto em que dois formam um. A mãe entra com o psiquismo (a capacidade de cuidar) e o bebê com o seu corpo em total desamparo e dependência.

A mitologia grega, primeira grande tentativa do homem de expressar os grandes dramas subjetivos humanos, descreve o amor como o encontro (desencontro?!!) de Pênia e Poros do qual surgirá Eros, o deus do amor.

Pênia, pobre e necessitada e Poros, possuidor das qualidades e belezas que faltavam a ela. Ali se encontravam armadas as condições para o acontecimento do amor: um necessitado que se dirige a um possuidor. No Banquete de Platão o érastès (amante) se dirige ao érôménos (amado) e o circo está armado!

Nossa! Que expressão horrorosa para se referir a algo tão belo!

Chegamos ao ponto: será, sim, algo belo se conseguirmos, ao encontrar alguém “especial”, que nos toque, com quem adoramos conviver, não regredirmos à nossa primeira forma de amor – a fusional. Aquela da mãe-bebê.

Será belo se o amor for do tipo que se dá entre duas pessoas distintas e não o 2 em 1 da fusão. Entre dois adultos (que cresceram mesmo, não “criadultos” – crianças disfarçadas de adultos), onde cada um está, hora mais forte ou mais fraco, hora melhor ou pior. Revezando cada um nas suas posições subjetivas e nos seus estados de espírito, cada qual na sua luta para dar conta da vida (e não cobrar que o outro o faça), só que agora contando com a existência de um companheiro de viagem que pode, sim, torná-la muito mais prazerosa e significativa, mas não o nosso saco de lixo nem o carregador de pacotes dos nossos sofrimentos diários.

Se não for assim, ao encontrarmos um amor, regrediremos, passaremos a ser dependentes de um outro, infelizes repetidores da fusão perdida.

É por termos todos essa forma fusional de amor em nossa origem psíquica que corremos o enorme risco de adoecermos quando amamos.

Sabendo disso, estejamos  mais atentos para não cair na armadilha!


Artigo publicado originalmente no jornal O Popular, em 4 de novembro de 2010.

Este post tem um comentário

  1. Maria Helena

    Luciene, como você faz isso comigo!
    Com a leitura deste artigo, você me fez voltar à minha primeira hora de análise, lá pelo ano de 2001, lembra? Eu adoeci tanto quando me apaixonei, que se não fosse você existir, talvez eu teria morrido de tanta paixão. Oh! tempo que eu sofri. Ainda bem que você me fez sair daquele sofrimento terrível. Obrigada, minha querida!
    Beijos da Maria Helena, sua discípula de sempre.

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