Abaixo os cadeados do amor


Paris, cidade dos amantes. Cidade que é uma festa, que é puro romance. Melhor lugar não há para se namorar, mas tem muita gente aproveitando todo esse clima para não só namorar como também garantir o amor para sempre.
Como? Trancando o bichinho para que ele não possa escapar. Trancando bem trancadinho com cadeados e tudo. Eu os chamo de “cadeados do amor de Paris”.
Pois é, mas eles despencaram…
Começaram dependurando as garantias na Passarelle des Arts, uma linda ponte de pedestres sobre o Rio Sena. Feita com tamanha leveza que não combinou com o peso dos cadeados. As laterais da ponte despencaram sob o torturante peso do amuleto-trancador-do-amor.
Foi o peso da “segurança”, de aço inquebrável, fechado e garantido, que destruiu a si mesmo. Sim, pois os cadeadinhos do amor caíram junto com a estrutura que quebraram.
A desgraça veio de onde não se esperava: a ponte quebrou. Não é bem assim, nem mesmo é uma ponte. É uma passarela, isso sim. Linda e romântica. Mas para tudo tem jeito. Arrumaram outros lugares, outras pontes, agora de concreto, esse sim, inquebrável… Será?
Atrás da igreja de Notre Dame, tem uma deliciosa pracinha arborizada que adoro. Vinha eu distraída rumo a uma das pontes que dá acesso a ela quando me deparei com… cadeados, muiiiitos cadeados.
Notei mais pelas caras dos namorados com olhos brilhantes, alguns francamente ansiosos, abrindo bolsas, pegando o objeto precioso – o cadeadinho – comprado em alguma loja ou barraca das redondezas; procurando um centímetro vago para trancar o símbolo de seu amor, no meio de tantos outros que, por falta de espaço no guarda-corpo, iam se tornando pencas de cadeados como se fossem cachos de uvas se projetando.
Estranha visão de amores agora agarrados uns aos outros. Já não era mais na ponte, mas na argola de outro cadeado. Casais amarrados a outros casais.
Alguém me disse que de tempos em tempos a prefeitura vai lá e retira um tanto, faz uma faxina de cadeados para a ponte não cair de novo.
Será que os amores vão para onde? Lixo? Pensamento horripilante.
As fotos são também obrigatórias. Talvez para não esquecer que seu amor está bem guardadinho, bem trancadinho e bem garantidinho. Pelo menos até que a prefeitura vá fazer o “rapa” ou a ponte não consiga aguentar mais o peso da responsabilidade de segurar e garantir tantos amores sequiosos que fizeram seu investimento comprando o cadeado do amor, escrevendo seus nomes juntos num coração desenhado na barriga do dito cujo e se dando ao trabalho de enganchá-lo em uma nesga de tela ou num outro cadeado do amor de um outro casal desconhecido, mas buscando a mesma coisa.
Me vi, assim, no meio da ponte, assistindo a todo aquele movimento, quando reparei em um casal de indianos que vinha flanando – Paris parece que foi feita mesmo para se andar  por suas ruas e pontes.
Lá vinham os dois namorados sorridentes e leves e que, como eu, olhavam a azáfama dos casais de um lado e de outro da ponte. Olhei para eles e disse em inglês – indianos sempre sabem inglês: “This is horrible. Love is freedom” (Isso é um horror. O amor é liberdade). A moça sorriu afirmativamente e o rapaz disse: “Yes, it is not to lock” (Sim, não é para trancar).
Yes, o amor não é para ser trancado e muito menos para nos dar garantias. Amar é estar sempre no risco da perda do objeto amado. O que pode ser muito útil para nos lembrar que o usufruto diário é o que temos. E que, no amor – como na vida -, cada dia é eterno enquanto durar…
É sempre desastroso tentarmos obter o impossível. O que acontecia ao “maná do céu” da Bíblia? Era recolhido todas as manhãs e só servia para ser comido naquele dia. Bela metáfora do amor! Bela metáfora da vida!
 
O que temos é o usufruto de cada dia.


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