Se perguntarmos, em geral, para que fazer uma análise, a grande maioria responderá que uma análise serve para se conhecer melhor. E se uma pessoa se conhece melhor, daí decorre que ela melhor agirá. É o que nossos pais diziam: – “Meu filho, pense sempre antes de agir”. Isso era válido até há pouco tempo, não é mais.
Vivemos uma mudança de época importante, como nunca dantes vista. Passamos de uma organização vertical, piramidal, do laço social – o pai, na família; o chefe, na empresa; a pátria, na sociedade civil – para uma organização horizontal, que configura o que chamamos de sociedade de rede. Nesse tipo de sociedade não temos mais padrões estabelecidos de comportamento frente aos quais possamos julgar nossas ações como boas ou más, como nossos pais faziam. As pessoas se sentem perdidas, angustiadas, “desbussoladas”, diríamos, uma vez que perderam o norte, não sabem mais como se orientar. Do nascimento à morte, vivemos em um novo mundo ao qual chamamos de pós-moderno, no qual tudo é diferente, tanto em nossas alegrias, quanto em nossas dores. Os avanços científicos nos impactam: escolhem embriões que devem ou não nascer, prolongam as vidas além do desejável, mudam os nossos corpos. Pais não compreendem a música eletrônica dos filhos, nem suas formas de amarem. Filhos não sabem o que fazer com pais que vão durar cem anos. Resumindo, se ontem o que se buscava era se conhecer mais, hoje o do que se trata é de como decidir, como escolher frente às múltiplas possibilidades de um mundo flexível.
Quando temos dez opções e temos que escolher uma, a única certeza que temos é a de que perderemos nove. Daí as pessoas se imobilizarem de angústia. A psicanálise que fazíamos anteriormente era baseada no Complexo de Édipo, como ficou popularizada. Podemos dizer, grosso modo, que o Complexo de Édipo foi uma genial intuição de Freud para explicar como nos estruturávamos psiquicamente, como nos ligávamos ao mundo. Em linguagem atual, poderíamos vê-lo como um software, uma interface operacional entre a pessoa e seu meio. Convenhamos que foi um fantástico software muito mais duradouro que os atuais, que já no lançamento são velhos. Durou cem anos. Foi tão convincente que parecia que seríamos todos e para sempre edípicos. Pois bem, hoje necessitamos de uma psicanálise pós-edípica, que possa ler os novos sintomas e o novo homem da globalização.
Devemos aos avanços de Jacques Lacan essa nova clínica psicanalítica. Nela, o que se pretende não é fazer o analisando saber mais, mas, quase ao contrário, o intuito é de lhe possibilitar detectar mais rapidamente os limites do saber, o impossível a conhecer, e frente a esse furo no saber, apresentar uma resposta inventiva, responsabilizando-se por ela. Esse novo tempo é o da invenção responsável. É o tempo da consequência. O analista deve emprestar consequência aos ditos do analisando, e não tanto buscar a revelação de um sentido oculto.
Para tornar mais sensível o que queremos dizer com se responsabilizar pelo que não pode ser dito, pensemos no amor. Será que alguém pode afirmar com segurança a razão do seu amor? Sabemos que não, haja vista o insucesso das “dr”, discussões da relação. A boa forma de arrumar uma briga é sentar para conversar sobre o relacionamento amoroso. O amor nos evidencia que as coisas mais importantes na vida não podem ser explicadas racionalmente: o prazer de um banho de cachoeira, o abraço silencioso em um filho, o orgasmo etc. Não é a palavra racional que capta esses sentimentos, é a palavra poética que, em sua equivocidade, compromete quem a escuta. O sentido é dado por você, é de sua responsabilidade.
A psicanálise do século XXI deve possibilitar a cada um a experiência de uma expressão singular, necessariamente criativa. Caso contrário, a opção é virar genérico, exemplo em livros de auto-ajuda, de uma qualidade de vida insossa e massificada.
Artigo Escrito pelo Dr. Jorge Forbes.