Mãe é para sempre?

Não. Mãe é para o começo da vida. Ela precisa ser metaforizada e se transformar em outros objetos.

Mãe é alguém que está no papel de cuidar, adivinhar o que necessitamos, fazer em nosso lugar enquanto, e somente enquanto, ainda não somos capazes de fazê-lo.

Isso é o que chamamos em psicanálise de”função materna” e que pode ser exercida pela mãe biológica, mas também por outra pessoa. Esse cuidado que nos parece ser só da mãe se estende a todo o grupo familiar que cuida de suas crianças. Cuida até que não mais seja necessário.

O caminho é a autonomia, o fito é a autonomia, mas ela passa por deixar algo para trás  – assim como certos animais abandonam a pele velha para se expandir e daí criar uma pele nova. É o que afirma Lacan em seu livro Complexos Familiares: “O abandono das seguranças que a economia familiar comporta tem o alcance de uma repetição do desmame”.

Veja que deixar as seguranças do grupo é considerado por ele como um novo desmame, uma nova separação daquele que nos provê com o que precisamos para viver, num momento em que, de fato, não conseguiríamos por nós mesmos.

No entanto, note sua posição em relação ao agarrar-se na “proteção” do grupo: “Todo retorno a essas seguranças pode desencadear no psiquismo ruínas sem proporção com o benefício prático desse retorno”. Ruína não é uma palavra leve para descrever o resultado do recuo, da desistência de se andar para frente.

Por fim, ele afirma que: “Todo acabamento da personalidade exige esse novo desmame. Hegel afirma que o indivíduo que não luta para ser reconhecido fora do grupo familiar nunca atinge a personalidade antes da morte.

Seriam esses argumentos convincentes para que mães e familiares possam se verem mais respaldados e não se sentirem na obrigação de cuidar e cuidar sem prazo de validade?

Veja os benefícios e:

. Não tenha culpa de deixar o seu filho ir…

. Tenha a generosidade de deixar o seu filho crescer para não precisar mais de mãe. Ao contrário, seja capaz de ser mãe, de maternar, todos os que passam por um momento de desamparo e que, portanto, precisam de mãe.

Só nesse momento a mãe deve retornar. Todos nós momentaneamente nos tornamos mães cuidadoras de quem cai em desamparo – não confundir com aqueles que vivem em “eterno desamparo” como quem vive de auxilio desemprego. Seu vitimismo torna-se uma maneira fácil de conseguir ser cuidado a um custo baixo. É só dizer que não dá conta “meeesmo” que todos vêm ajudar. A compaixão é um sentimento fácil de se obter das pessoas.

Mas, abra os olhos para esse pedido de ajuda: função paterna nele. Inocule a responsabilização como uma vacina contra a dependência. Sensibilize e faça a “vitima” mudar de rumo. Sair da impotência para a potência que tem e não quer usar.

Não, mãe não é para sempre porque dependência não é para sempre. Amigos-mãe também ajudam a manter o estado de dependência a baixo custo que tem sustentado tantos frágeis e infelizes no mundo.

Abaixo à família “coró na bananeira”, que vive amontoada, embrulhada em cima dos medos, “cuidando-amedrontando” seus membros, deixando-os cada vez mais assustados diante de tantos perigos lá fora!

É bom poder se sentir capaz de existir no mundo por conta própria. De se sustentar materialmente e psicologicamente. Ser um criador inventivo de uma forma única de viver, se comportar, ver, fazer.

Ser carne da carne do outro, mas também a sua reinvenção. Se jogar em suas experimentações. Barriga fria de emoção, risco e prazer. Encarnar em seu próprio corpo toda a potência herdada da mãe, do pai, da família e dos amigos que o construíram.

Ir pela vida feliz e cheio dessas potências absorvidas lhe sustentando em um corpo livre, leve e solto pelos caminhos da existência.

 

Este post tem um comentário

  1. Maria Helena Ferreira

    Luciene, muito profundo esse seu artigo. Todos nós exercermos a função materna em algum momento da existência de alguém, é importante esse reconhecimento.

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