Escolher esperar – Rejane Soares Ferreira

O dicionário online de português descreve o verbo transitivo direto ESPERAR como “ficar em algum lugar até que chegue alguém ou alguma coisa que se tem como certa ou provável”De fato, ficamos em algum lugar da subjetividade aguardando chegar o tal do sucesso, a tal da alma gêmea, a tal da felicidade…

Mas o restante da definição é que assusta, uma vez que é algo ou alguém que se tem como certo ou provável. Certeza de quê? O provável ao menos é mais verdadeiro. A questão é que a gente tende a esperar, deixar para outro momento a chegada de uma situação (que pode não chegar) pra satisfazermos nossos desejos.

Algumas coisas a gente espera mesmo, como a comida ficar pronta, a chuva chegar, o dia da formatura… Um porvir contínuo. Mas dá para viver intensamente o agora, gozando até da espera que se torna prazerosa: sentir o cheiro dos alimentos sendo preparados, aproveitando a seca para reformar a casa, o convívio dos amigos e as atividades aprendidas até a formatura chegar…

O danoso está em abrir mão do agora para deixar se preencher com o que pode vir, ou não, no depois. Sofrer porque não se tem ainda o que se quer. E se não chega o que se quer, há de sofrer ainda mais. Se espera-se X e chega Y, daí o pesar corre quente nas veias!

E como acontece da gente esperar uma coisa e vir outra! Colocamo-nos em prontidão para acusar e martirizar quem fez essa proeza de não decifrar o que estávamos esperando! E lá vamos nós lamentar porque o presente foi da cor errada, a receptividade do colega foi mínima, o encontro com os amigos foi sem graça…

O que mais nos consome, nos angustia, foi ter identificado que a espera, tão sofrida, foi em vão: “Não chegou o que eu queria!” Isso é cair em uma armadilha psíquica muito frequente: a de acreditar que um outro, ou algo, irá lançar um dardo de prazer no alvo das minhas solicitações. Infantilidade emocional!

Parece contraditório, mas nem sempre suportamos essa encruzilhada de nos depararmos com aquilo que tanto esperamos.

É frequente a gente ouvir uma pessoa que conquistou sucesso, dinheiro, casa bonita, filhos saudáveis e que  sente ainda um certo vazio dentro de si. Ela cumpriu o script do que era esperado dela… Ela mesma esperou de si o cumprimento disso tudo, Afinal, sair deste roteiro demanda coragem!

A questão é que várias angústias podem estar inseridas nisso: fazer o que é esperado de você ao invés de reconhecer o que você mesmo quer; achar que a completude existe e ficar fixado em coisas que ainda estão faltando; ter se distanciado tanto do presente (projetando para o futuro o bem estar) que estar no aqui e agora perde a graça; perceber que você quer uma coisa, mas se movimenta em direção a outra… Enfim, são várias as alternativas possíveis nesse labirinto das esperas.

Um verbo pode ser usado antes do esperar: o ESCOLHER! Eu escolho esperar por aquela viagem dos sonhos. Eu escolho esperar a pessoa linda e maravilhosa que há de chegar e me fazer feliz. Eu escolho esperar o dia certo para parar de fumar. Eu escolho esperar o sucesso bater em minha porta. Eu escolho esperar que o mundo me entenda. Opa! Eu escolho esperar? Sim, é uma escolha (nem sempre consciente) colocar no futuro um bem estar que pode ou não chegar.

Eu posso até esperar alguma coisa, mas então que eu seja ciente de que estou escolhendo permanecer na espera. Quando eu deixo isso claro, de verdade, uma coisa incrível costuma acontecer… Eu posso até curtir a espera! E curtir de verdade! Bendizia meu avô: a espera da festa é tão boa quanto ela mesma! Eu me coloco no presente e me proponho a estar ativamente em contato com o que quero! Deixo de me amarrar na ilusão de um futuro idealizado e me preencho com as delícias, as dores, as alegrias, os sustos, as falhas, as grandezas deste presente vivido em carne e osso!

Eu escolho tomar a mim mesma como personagem principal de um roteiro que posso construir, desconstruir, construir de novo, usufruindo de tudo que o palco da vida me oferece. Eu escolho esperar as coisas acontecerem de modo atuante e vou selecionando o texto, o figurino, a luz, toda a direção! É assim mesmo! Sou eu quem faço a peça e posso sim dosar o quão de drama, de aventura, de suspense, de terror, de romance ou de comédia incluo nisso tudo.

Com escolhas assim esperadas, uma repercussão acontece…Vocês ouviram? São os aplausos que saem de mim!

 

Rejane Soares Ferreira é Mestre em Psicologia, Neuropsicóloga e Docente Universitária.

Este post tem um comentário

  1. Marcelo Machado de Albuquerque

    Uma reflexão rica e extremamente oportuna.

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