Luciene Godoy
Sabe daquelas perguntas que só crianças de 6 anos de idade como o Pequeno Príncipe podem fazer? Naquele tom direto que usam para perguntar sobre as questões mais difíceis da vida, como se fossem facilmente respondíveis?
O que diria você se essa criança lhe perguntasse o que é a morte, assim, à queima roupa?
Me peguei fazendo exatamente essa pergunta.
Para minha surpresa a resposta veio também à queima roupa. Respondi para o meu Pequeno Príncipe interno, que todos nós, notemos ou não, continuamos tendo: “Morte é não estar vivendo” – veja bem, disse eu explicativamente para o meu pequeno interlocutor. “Eu não disse não estar vivo, mas não estar vivendo.”
Não está vivendo quem não vê a beleza de uma chuva caindo numa tarde ensolarada: “casamento da raposa¹”; quem não cai na risada por um escorregão que deu no corredor encerado; quem não ouve uma música dezenas de vezes num estado de emoção acerca de um fato qualquer. É só um momento feliz, um instante de encantamento.
Morte é não estar vivendo. É não estar vivendo esses momentos que passam diante de nós no dia a dia. Não são momentos fulgurantes de palco e luzes, de festas suntuosas.
Festas sim, por estarmos vivos e vivendo, sorvendo, usufruindo. Passamos quase todo o nosso tempo correndo atrás, correndo para chegar lá. Lá aonde? Lá na morte, que é a única chegada mesmo.
Trata-se muito mais de usufruir o que não vemos que temos do que de correr atrás de mais e mais, pois esta é a lógica de um morto que espera viver: viver a vida quando isso ou aquilo acontecer, quando tiver o esperado.
Olha que o bicho está mordendo o seu calcanhar e você não vê que já possui muitas das coisas atrás das quais está correndo.
Cuidado com a idealização, a busca do momento perfeito, porque quando você acordar, pode ter vivido uma vida de morto esperando chegar a vida plena, que esta sim, não há.
Um bem-estar, serenidade, uma certa segurança interna, quentinha, gostosa é possível, sim. Não, é claro, para quem está enlouquecido em desabalada corrida atrás do pote de ouro no fim do arco-íris.
O que tanto buscamos não está lá longe, está aqui perto, dentro. Olhe para você mesmo com carinho. Porque não dá para gostarmos da vida sem gostarmos de quem somos.
Gostar de quem somos sem termos que ser infalíveis, lindos e maravilhosos. Gostar do nosso jeitinho único de ser que tem sempre uma beleza singular, só nossa, não replicável.
Proponho essa nova definição de morto: é aquele que vive esperando a vida chegar.
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Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 6 de maio de 2012.
Luciene Godoy é psicanalista
luciene.godoy23@gmail.com
www.lucienegodoy.com.br
Estou me ressuscitando!
Mais um artigo tocante, gostoso de ler, mesmo sendo lacaniano (hahaha…). É Lucieniano.
Beijo, valeu!