Vírus e vida 4

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Luciene Godoy //

Você vai morrer?

Vai…

Vamos.

Amanhã de manhã? No mês que vem? Daqui a um ano? Daqui a dez?

A morte é certa, mas não queremos saber que sabemos, no entanto ela é certíssima. Principalmente em tempos de epidemia, agora “pan”, pela primeira vez o planeta corre junto o mesmo risco.

A morte, neste momento, nos olha tão de perto que, assustados, nos desesperamos. Correr para onde? Ela está por todos os lados, até nas pessoas mais confiáveis.

Não há garantias. Socorro! Chamem, encontrem alguém com o poder de nos salvar dela. O mundo está vazio, a Praça de São Pedro, igrejas, shopping centers, ruas, cidades inteiras. Estamos vazios de segurança. E acuados por ela, a Dona Morte.

Você sabia que é possível fazer a pazes com ela? Convidá-la para ser uma habitante da sua vida? Porque ela está e estará lá até o dia em que vocês finalmente se encontrarem.

Tenho para mim – e nesses últimos anos tenho observado isso atentamente –  que as pessoas mais apavoradas com medo da morte são também as que que mais estragam suas vidas e as dos que com elas compartilham espaços.

Fazem o estrago brigando por qualquer pequeno motivo, emburrando e deixando pesado o que poderia ser leve e, não menos importante, deixando de usufruir do bom quando ele vem.

Mais do que nunca é hora de nos lembrarmos de que somos seres-para-a-morte. O filósofo Martin Heidegger tentou nos ensinar a nos apropriarmos de nossa existência e a vivermos uma vida mais própria, autêntica, que seja a nossa cara – tendo a coragem de mostrar o que somos, como somos e o que queremos.

O psicanalista Donald Winnicott, em seus estudos, nos fala de uma “agonia original”, ou seja, do sentimento de estar morrendo pelo qual passamos ao nascermos. Esse sentimento é revivido incontáveis vezes ao longo dos primeiros meses de vida, em nossa adaptação às condições do ambiente extrauterino que perdemos radicalmente ao nascer.

Respirar, digerir o alimento, sentir o corpo em uma gravidade muito pesada e desconhecida nos dá sensações de uma “angústia original” em Jacques Lacan – que levamos para toda a vida como sinal de uma ameaça de morte.

Essa angústia original é o “medo da morte” que não podemos ter porque nunca morremos antes e não sabemos do que se trata. Sabemos o que é o outro morrer para nós, mas da nossa própria morte nada sabemos.

Morrer-bem é o coroamento de uma vida bem vivida, em intensidade e não em tempo.

Estar pronto para a morte é o maior luxo de todos. Isso significa que, no dia a dia, não ficamos devendo a nós mesmos. Curtimos o que temos, fazemos projetos para o futuro, sim, mas a vida no presente é plena e boa, mesmo que não perfeita.

Assim conseguimos construir a capacidade de ter a morte integrada em nosso psiquismo, como uma mestra do valorizar a vida, se abandonarmos a fantasia neurótica de que nunca morreremos.

Morrer é parte de nós, portanto, só nos resta viver.

NADA vai nos livrar de morrer… a qualquer momento, acrescento firmemente. Aceita que dói menos! Aceita que a vida multiplicará seus sabores!

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Imagem: Canva Magic Media (IA)

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