Quem semeia desejo colhe muita coisa!

Desire (Thomas Rowlandson, 1800) - www.metmuseum.org
Desire (Thomas Rowlandson, 1800) – www.metmuseum.org

Rejane Ferreira //

Aquele dito popular de que “Quem planta, colhe” pode não estar funcionando direito. Ao menos não numa sequência linear. Estamos numa fase de muitas mudanças rápidas e podemos adaptar o plantio para outra finalidade a qualquer momento.

Em um mundo hipermoderno, de um homem desbussolado (parafraseando o psicanalista Jorge Forbes), as possibilidades são tantas que podemos iniciar o preparo do terreno para receber um tipo de semente e, de repente, nos arriscarmos num outro tipo que nos sugere maior entusiasmo.

Isso não quer dizer que as pessoas deixaram de ter sonhos e empenho com seus sonhos. Não é um raciocínio que afunila para o caos! É apenas um ser humano que está se permitindo ser mais flexível consigo mesmo.

E, por certo, vão surgir ventos uivantes, seca árida, chuva pesada, além de olhares carregados de ervas daninhas… Tudo isso requisitará cuidados! E que venham os adubos do prazer com a tarefa, assim como os inseticidas íntimos contra as desaprovações alheias!

Investimento naquilo que decidirmos fazer: dedicação, observação e entrega. Tudo isso numa inclusão da incerteza sobre aonde essas ações vão nos levar. Isso mesmo! Suportar a angústia de não saber quando, como ou quanto vai colher. E tem gente que colhe e só depois descobre que não era bem aquilo que deveria ter plantado… Mas, nos dias de hoje, o “agora é tarde” pode ser assumido juntamente com um “posso recomeçar”.

Lacan ressaltou: “Por nossa condição de sujeitos somos sempre responsáveis”. Eu sou sim a dona da horta! E, mesmo que uma intercorrência caia sobre os meus projetos, não poderei passar para outras mãos os cuidados da minha seara de desejos.

Alguns optam por uma dedicação exclusiva a um tipo de plantação. Outros escolhem repartir a terra e fazer um combinado agrícola. Tem aqueles que aguardam o descanso do solo para que os nutrientes sejam revitalizados. Ainda se ouve de uns que continuam na arcaica técnica de queimar o terreno antes de plantar… Cada um apostando que frutos chegarão!

Essa aposta é necessária! Afinal de contas, não estamos com todos os frutos nas mãos! Ainda bem! A falta deles nos faz desejá-los! O que contraponho é que os tais frutos poderão ser bem diferentes dos imaginados… É que a arte agrícola passará por variáveis antes não identificadas… É que o próprio agricultor, que se julgava tão apto em sua tarefa, poderá se deparar com situações de baixíssimo controle próprio.

Mas, então, o que poderá sustentar a sobrevivência desse ser humano tão permeado por vulnerabilidades?

Primordialmente, vem o desejo de se realizar. Ah, o desejo! Essa fonte íntima que nos conduz! O desejo inspira, alavanca, turbina nosso poder de realização! Também podemos contar com nossa capacidade de adaptações. O recriar, a reinvenção, tudo isso viabiliza um novo contorno às nossas ações. E também a inserção neste mundo atual que está menos rígido, que comporta uma redução de sofrimentos com os reajustes de rotas.

Outra preciosidade que nos faz firmar as sementes de desejo ao solo é saborear o que já está sendo colhido! Não estamos somente aguardando a colheita chegar… Alguns frutos já estão disponíveis! Cabe a mim recolher cada bago do trigo, forjar no trigo o milagre do pão e me fartar de pão!


Rejane Ferreira é neuropsicóloga, psicoterapeuta e professora universitária.
*Artigo originalmente publicado no jornal O Popular, de Goiânia, em 29 de outubro de 2015.

Este post tem um comentário

  1. Valéria Avilla

    Belas metáforas! Novas colheitas!

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