Não é o mito grego de um filho que mata o pai para ficar com a mãe, mito esse que Freud toma para falar do castigo que a civilização impõe a quem não obedece suas leis?
Quando mencionamos um mundo edípico, de que estamos falando?
Estamos falando de um mundo com lugares muito bem definidos – não só o de pai, mãe, filho; mas também de definições fixas dos papéis sociais: ser professor é ser assim, ser médico é ser assado…
Sair desses lugares nos custava um preço altíssimo a pagar pela desaprovação e crítica. Era mais ou menos como se cada um de nós fôssemos um “Edipinho” tirando as coisas do lugar. Mulher desquitada, gays, homens cooperando nas lides domésticas, todas essas e muitas outras quebras do costumeiro eram tidas como muito ameaçadoras ao mundo onde cada qual tinha o seu lugar e a transgressão era promessa de destruição do mundo. De fato, a igualdade era necessária para manter os grupos.
A sociologia hoje usa termos como “globalização” ou “mundialização”, “sociedade liquida” e “hipermodernidade” para descrever o mundo contemporâneo. Já a psicanálise do século 21, para falar do mesmo momento histórico, afirma que estamos num mundo pós-edípico.
Se o mundo edípico era o mundo de lugares marcados, então o mundo pós-edípico seria um mundo sem lugares pré-marcados? É isso e muito mais.
Nas últimas décadas tivemos a Primeira Guerra Mundial, depois a Segunda, o fim das utopias políticas como o socialismo etc. E o ser humano foi olhando com descrédito para aquelas pessoas ou instituições que delegavam o poder de cuidar de seu bem estar. É o que chamamos de queda dos ideais.
Ou seja, o Édipo se deu mal porque não respeitou as regras. E muitas pessoas nesse último período histórico andaram descobrindo que se deram mal por respeitarem sem questionamento pessoas e instituições.
Conversinha perigosa essa. Aprendemos que em sociedade ninguém que respeita as regras pode se dar mal.
Pode sim. Quantos de nós conhecemos quem foi torturado ou morreu por uma boa causa e depois o tempo demonstrou que a tal boa causa não passava de jogo de interesses pessoais? Quantos se empenharam em projetos admiráveis para depois ver seus sonhos em frangalhos?
O que está se vendo é que o ser humano confia cada vez menos cegamente o seu destino nas mãos dos outros, sejam eles quem forem. Se munem de todas as informações disponíveis – e saber é poder, não se esqueçam – antes de se lançarem numa empreitada qualquer, uma consulta médica que seja.
Se o mundo edípico era o da obediência cega porque os mais velhos sabiam o que era melhor para você, porque se você fizesse igual permaneceria não criticado, isso começou a dar mais sofrimento do que ganhos.
O que se vê hoje são pessoas cada vez mais preferindo correr os riscos e inventar, ao invés de obedecer. Ser diferente não é mais uma doença contagiosa, mas o jeito de ser de cada um.
Estamos num mundo pós-edípico porque ao se fazer algo de maneira diferente da habitual se é notado e aplaudido – e não temido e marginalizado. A invenção é bem vinda. A diferença não é maldita, mas uma fonte de riqueza.
E por falar em mito grego, sabe por que a Grécia foi o berço da nossa civilização?
Porque suas terras que avançavam sobre o mar receberam naquele período a visitação de gentes de todo o mundo de então. A Grécia se tornou uma aldeia global do conhecimento vigente e pôde gestar e dar à luz a uma civilização que nos proporciona até hoje instrumentos para nos pensarmos. Olha nós aqui falando de Édipo para nos definirmos na hipermodernidade.
A riqueza que podemos esperar desse novo encontro de mundos no mundo é insondável. Uma nova civilização de conhecimento, invenção e liberdade. Dá pra apostar nisso.
Parece que a vida é sempre cíclica. Tanto biologicamente quanto subjetivamente. Ótimo texto!