Não foi erro de digitação.
E também não se trata de uma UTI de coração, para tratar de problemas cardíacos, não.
Essa UTI tem história, mais história do que poderíamos supor.
É que numa dessas radiosas manhãs goianienses, saí em busca de mais alguns livros para a minha biblioteca goiana e fui recebida por uma dama cuja visão me tirou o fôlego.
Um deslumbre de olhos inenarráveis: Dona Helena, mãe de nosso grande historiador goiano Paulo Bertran.
Durante a agradável conversa, por um instante, ela inclinou o lindo rosto e, do fundo de sua alma de artista, disse tristemente: “Acho que o Paulo morreu porque ficou muito só na UTI. Ele deve ter sofrido muito porque não suportava ficar só. Adorava a companhia das pessoas que ele tanto amava”.
Delírios de uma mãe inconformada?
Não creio. Muito pelo contrário. Vejo grande lucidez na sua afirmação e por uma razão bem precisa.
Meses atrás, meu marido passou por uma cirurgia um tanto delicada e esperávamos todos que ele ficassse uns três dias na UTI – tínhamos sido informados que era o habitual.
Seu médico, olha só, também outro Paulo, esse Menzel, que eu chamo de médico-poeta, agiu de forma inusitada.
Médico e poeta parecem duas palavras que não se frequentam. Pois é, mas existe, sim, e trata-se desses médicos que sabem também do que necessita a alma humana e não somente o corpo.
Uma hora depois de acabada a cirurgia, para a nossa estupefação, o nosso amado doentinho chegou no quarto para ficar com a gente.
Dr. Paulo Menzel, nosso médico-poeta, nos disse que não daria para desperdiçar aquele material humano: as duas filhas e a segunda mulher, que davam tantas mostras de zelo e presença. UTI, nos explicou ele, é para observar com toda a atenção os sinais vitais do paciente. Quando há uma família interessada e envolvida, ela vai olhar como se fosse o melhor profissional.
Em poucos minutos, sorríamos, conversávamos, dávamos o nosso carinho e, principalmente, a nossa PRESENÇA. Presença amorosa curativa.
Lembrando-me disso, num momento de emoção e sentindo no peito a dor que teria sido não viver aquele momento de impasse, de risco de morte daquela forma, peguei as mãos de minha anfitriã e, com olhos marejados, prometi à Dona Helena empreender campanha contra as UTIs sem coração, sem afeto e sem calor humano.
Senhores médicos, podem acreditar: ser tecnicamente competente e também sensível às almas cujo corpo está doente só faz multiplicar a sua competência. Em todos os casos em que for possível a “UTI com coração”, com o calor das pessoas amadas, não hesitem, exerçam a sua capacidade de curar com outros instrumentos tão eficazes quanto os bisturis.
Sabemos que tem casos em que não dá mesmo. Não é deles que estou falando, mas daqueles em que a doce presença dos entes queridos, poderia, mas não é utilizada.
É mais um item da minha campanha “Vamos parar de jogar luxo no lixo”.
“UTI com coração” é uma prescrição que também só o médico pode fazer.
Não vamos só rezar para que haja cada vez mais médicos-poetas. Não vamos só torcer e esperar. Vamos, isso sim, agir mais. Vamos conclamá-los a ter a coragem de ser um. Vamos publicar e aplaudir os corajosos que já são.
Saúdo os médicos-poetas, que como aquele que nos cuidou (nos sentimos incluídos e colaboradores, portanto mais potentes) vivem salvando muitas vidas com a sua ousadia clínica. Tivesse tido uma “UTI com coração”, se ela existisse naquele tempo, talvez ainda tivéssemos conosco o nosso cerratense maior, cujo coração não cabia dentro do peito, Paulo Bertran.