O que me inspirou a escrever sobre o tema foi a visão de um astro de sucesso – não suficiente ainda para ter o seu próprio jatinho (que injustiça!) – que compartilhava conosco, pobres mortais, o espaço do portão de embarque.
O dito cujo tinha um ar de majestade flutuando sobre o piso. Não, decididamente os seus pés não tocavam o chão e seus olhos também olhavam o infinito. Aquele olhar superior, que não cruza com o do outro. Cara de zumbi – que me perdoe –, cujo olhar não se dirige aos outros. Só olha para si e para a manutenção daquele lugar.
Talvez como aquele personagem do Pequeno Príncipe que deixou de ser humano e virou cogumelo. Talvez…
Mas, por definição, tem que ser assim. Um verdadeiro rei não pode estar “presente” ou junto dos demais, curtindo o que se passa naquele momento. Ele está na redoma empoeirada – como um animal empalhado no museu –, oferecido ao olhar do outro que fica tranquilo ao se certificar que o rei está lá, no seu lugar de glória imutável e empoeirada.
Um ar ensebado, empoeirado e sem vida como as flores artificiais que eu vislumbrava no balcão da empresa aérea e que, se fossem vivas, seriam renovadas. Não haveria tempo para acumular sobre elas poeira e detritos, provas inexoráveis da fixidez e da morte.
O rei está nu e ninguém notou…
O rei está morto e ninguém notou…
Mas está empalhado e engana bem quem quer ser enganado por também estar morto – a morte-zumbi, vida-morta – e que, por isso, não pode reconhecer um outro morto. Morto não vê mesmo. Morto dorme.
Para os vivos, que são os que conseguem enxergar no mundo e que não são tantos assim, os olhos de vidro do rei-empalhado reluzem falsamente, pois lá dentro não há desejo, não há alma, não há vida…
E, quem diria, o pobre-mortal-rei, faz tudo isso para se sentir amado.
Que engodo!
Engodo porque essa é a maneira de ser amado como o intocável, o não castrado, o perfeito. Como dizemos: sua majestade, o bebê, no qual o grupo projeta todas as perfeições almejadas, e para isso usa o pobre infeliz como o “eu-ideal” dos fiéis que o elegem seu Deus (o Outro Original).
O reizinho passa a ser uma máquina de fazer os outros gozarem dele. Ele tem que ser só, no lugar de perfeição. Se mostrar fraqueza, seus seguidores o deixarão impiedosamente.
Quantos casos como esse conhecemos: desportistas, artistas, celebridades, enfim. Eles são máquinas de adoração usadas para que pessoas inseguras se projetem em seu sucesso, mas não são donos nem de si mesmos.
Sua majestade, o bebê. Pobre ser que abandonou a sua prerrogativa de estar na vida e retornou ao lugar de viver para o desejo do outro.
É rei, mas rei-criança. Arremedo de Deus. Ser solitário sem laços baseados em seu próprio desejo, na sua própria necessidade de relações. Relações humanas onde possa falhar, rir, brincar, ser ridículo. É tudo sério demais, lugar mantido à custa de deixar de viver. Tudo tem que ficar igual para a segurança dos fiéis seguidores no trono ensebado do deusinho. Surpresas, só as boas.
Tudo tem que ser perfeito, senão o deusinho perde o emprego e é esquecido pelo público. Castigo impensável.
Que vida desgraçada!
Mais parece uma morte.
Era assim que acontecia no mundo das relações verticais em que os lideres, as grandes personalidades, eram substitutos de cada seguidor, como uma tela de projeção.
É diferente no nosso mundo das relações horizontais em que a troca rápida de informações dá poder a cada sujeito. Hoje, cada vez mais as pessoas querem viver as próprias vidas. Não é mais suficiente gozar com o gozo do outro.
Querem ter os seus próprios 15 minutos de glória – leia-se: qualquer conquista desejada – e não mais só ficarem olhando e babando pelos que conseguem.