Luciene Godoy //
Qual é o sexo forte?
Hã?! Será que esta pergunta ainda faz sentido?
É… não estamos mais em situação de cair na armadilha de acreditar que tem UM sexo forte ou mesmo UM sexo frágil, mas a resposta a respeito do sexo forte é possível, sim: os dois, se estiverem juntos na mesma pessoa.
Freud termina seus últimos anos de vida numa reflexão sobre a eficácia da psicanálise em ajudar as pessoas a, de fato, alcançarem mudanças consideráveis em suas vidas. Ele chega à conclusão – um tanto desconsolado – em seu texto Análise terminável e interminável que o homem não consegue abrir mão de ser homem à moda que lhe foi ensinado pela cultura e do mesmo modo a mulher.
O homem, obsessivo, preocupado em proteger seu lugar de privilegiado; e a mulher, histérica, se sentindo desvalorizada e insatisfeita para sempre.
Mas tudo isso são águas passadas. Tem gente vivendo assim, mas já no encerrar das cortinas históricas desse período. Os homens de hoje, embora perdidos ainda no que podem vir a ser, já sabem que não cabe mais o estereótipo.
As mulheres, por sua vez, já conseguiram, por terem sido convidadas a participar do mercado de trabalho substituindo os homens na Segunda Guerra Mundial e não mais terem abandonado a possibilidade de ocupar a posição masculina.
Os homens timidamente começam a transitar pelos domínios antes só femininos. Vejo isso por onde passo, mas, principalmente, no Curso para Gestantes da Unimed, onde ministro palestras sobre a exterogestação, o Bebê-Canguru. Lá é onde vejo os olhos brilhantes de pais superinteressados e participantes que mostram o quanto eles desejam fazer parte do cuidado dos seus bebês de forma intensa e afetuosa.
Tudo isso já se apresenta como fruto da época contemporânea que pretende liberar o ser humano cada vez mais de suas origens culturais, morais, religiosas e genéticas. O que está em questão é a invenção de si.
Os papéis também estão mudados na relação amorosa. O amor romântico nos ensinou que o ser humano só fica bem – em última instância, só é feliz – se achar a sua “metade” e se fundir com ela. O ditado “É impossível ser feliz sozinho” vale até o último fio de cabelo. Assim, o homem, à sua maneira, precisa de uma mulher que o complete naquilo que lhe faz falta e a mulher, idem.
Lacan, em suas fórmulas da sexuação, ao falar das posições sexuais, as divide em dois campos – dois quadrados que se sucedem: o campo feminino e o masculino. O homem se dirige à mulher como o seu objeto de desejo: uma boca, um bumbum, um sorriso, o atributo específico que lhe atrai. Por seu lado, o que a mulher deseja do campo masculino é a sua potência fálica, ou seja, o valor que ele tem, simplesmente pelo que é – homem – e não necessariamente pelo que faz.
Hoje já poderíamos criar um terceiro campo. O campo do encontro. Uma composição que une em nós mesmos o nosso ser feminino e o masculino. Estas duas maneiras de ser que, no fundo, habitam cada um de nós em uma mistura única que cada um faz de si, dependendo de sua história e suas escolhas.
A revolução racional, com seu avanço tecnocientífico que promove grandes mudanças nas relações sociais, criou um mundo que “pede” pessoas mais autônomas, mais inteiras em si.
E isso por terem desenvolvido um força pessoal em sua forma de se colocar no mundo sem tanta dependência das informações, da aprovação, da permissão e tudo o que já não vem mais do interesse ou da boa vontade que o outro tem para nos dar, mas, sim, de nossas conquistas – sejamos homens ou mulheres.
Não somos mais metades buscando a completude no outro, mas pessoas buscando um relacionamento amoroso não mais entre duas metades (a feminina e a masculina), e sim entre duas unidades.
E cada unidade possui em si o masculino e o feminino, que são formas múltiplas, integradoras, ricas, e por que não dizer, amigas, de se lidar com a vida em sociedade.
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Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 10 de dezembro de 2015.