Segundo Freud, existe no sujeito um conflito entre o que ele quer e o que ele deve querer.
Isso se manifesta em nossas vidas de maneira muito invisível. As pessoas não veem como as situações do dia a dia e até mesmo o rumo que tomam nossas histórias de vida têm a ver com o funcionamento do recalque.
Tentando clarear um pouco: um amigo teve seu primeiro filho e, no fundo, esperava que ele fosse um grande sucesso. Afinal, descendia de um homem muito inteligente e bem sucedido e que dava à cria as melhores oportunidades.
O filho cresce, não estuda, não segue nenhuma carreira específica e de bico em bico vai levando a vida no mais ou menos.
O que teria causado tamanho desvio de rota?
Coisas do mundo emocional…
É que esse pai tinha, em sua infância, sido muito disciplinado pela mãe, talvez um pouco em excesso, já que ter a justa medida não é atributo comum entre os humanos.
E por isso o que queria para o filho era que fosse poupado de esforços maiores. Que o filho nunca sofresse o que ele mesmo tinha sofrido na infância.
Assim, não deixou que o filho se esforçasse para se tornar o que poderia na vida, mas ao mesmo tempo esperava os resultados. O que o pai fazia com uma mão, tirava com a outra.
E onde mesmo é que está o recalque?
Na cegueira do pai, que não via o quanto poupava e justificava o filho devido a um recalque do seu próprio desejo. Esse pai não podia confessar: ele detestava esse aspecto de sua infância e desejava o contrário para o filho.
Lógico que se ele admitisse claramente o seu desejo não haveria nenhum drama, nenhum enigma do porquê esse rapaz não decolou na vida. O pai não sabe que ele também – e é isso o recalque – queria duas coisas para o filho: que fosse um grande sucesso e que não se esforçasse e nem tivesse disciplina na vida.
Samba do crioulo doido.
Sim, mas nossas famílias estão marcadas por histórias parecidas.
É a mãe seriíssima, fechada e compenetrada que tem uma filha fútil e vulgar. Quando examinamos mais de perto vemos que aquela mãe nutre grande rancor pela maneira como foi criada para a seriedade e imperceptivelmente passa para a filha que é horrível ser séria. E passa isso com tanto excesso que a filha bate no outro lado da escolha.
Ou o sexto filho de uma mãe que queria demais uma menina. Não admitindo o quanto não aceitava mais um filho, deixa escapulir o quanto gostaria de ter uma filha. Ele então se torna uma menina dentro de si para o desejo da mãe. Quando crescido se torna travesti, uma das formas de ser mulher para alguém.
Ou ainda a quinta filha de um casal que queria muito ter um filho. Ela se torna uma linda mulher, adorada pelos homens e que fracassa nas relações porque, ao se ver amada, estraga tudo para ser novamente fracassada enquanto mulher.
São exemplos resumidos e insuficientes, mas esclarecem um pouco mais a força que têm em nossas vidas os desejos não reconhecidos e assumidos.
O que vira problema é que o sujeito busca a realização cega do desejo inconsciente e faz coisas ilógicas, conflitantes e excludentes.
Essa é, sem dúvida, a causa de muiiiito sofrimento desnecessário em nossas vidas. Negamos o que queremos e ao mesmo tempo propiciamos a sua existência.
O que fazer?
Escutar o que as pessoas ao nosso redor dizem a respeito dos nossos excessos, que não notamos, mas nossos amigos e parentes sim. E eles falam, mas somos não só cegos como também surdos.
Quando alguém lhe chamar a atenção para uma repetição, um jeito de ser meio pendendo sempre para o mesmo lado, desconfie… de você.
Pode ser que você esteja cegamente lutando por um desejo que não reconhece e que é o impedimento de alcançar o que realmente mais quer.