Tenho repetido nesta coluna que estamos vivendo um tipo de relação nunca antes experimentada na história da humanidade: a relação horizontal de poder.
Isso muda todas as relações de poder. Por exemplo: o casal. Como teoriza o historiador Theodore Zeldin, o casal será o grande elemento transformador do século 21 porque hoje a mulher compõe com o homem um vínculo com mais igualdade de valor e respeito. Não é mais o poder do homem sobre a mulher.
Esta nova formatação atinge diretamente o papel das lideranças. Uma liderança horizontal está muito distante da anterior, vertical.
Começo dizendo que a liderança do mundo padronizado era desumana com o líder e os liderados. Para que um grupo pudesse se formar e se manter era preciso uma identificação ao líder. Todos se uniam no amor pelo líder – como são as tietes com seus ídolos. O princípio é o mesmíssimo.
Eu me projeto em alguém que vive, conforme a minha fantasia, o que eu gostaria de viver. Fica então esse líder prisioneiro, tendo que ser somente o que vai ser útil na manutenção de seu lugar de condução.
Historicamente, fala-se dos líderes usando e abusando de seus seguidores, pobres cegos sendo conduzidos pelas verdades de um só. Desconsideramos, porém, que esse líder também é usado pelos tietes, que, ao não enfrentarem sem intermediários a construção e usufruto de suas próprias vidas, usam o líder para esse fim.
Sim, porque ele é conclamado a fazer o papel do poderoso e infalível, para a segurança e tranquilidade de seus seguidores. Tem que ser uma máquina produzindo certezas, a imagem perfeita para a adoração dos outros, mas não possui nem a si mesmo. Pobre despossuído, despojado do seu direito de viver uma vida desejante, pois só pode desejar o que o outro espera dele. O que o outro permite nele. Ele não pode, não está autorizado a sair do lugar de Deus, senão sua liderança rui. Cortam-lhe a cabeça sem dó nem piedade.
O líder à moda antiga – perdoe-me Roberto Carlos – não pode ser tocado pelo frescor, pelas mudanças, pela diversão e pelo descompromisso. O lugar de sua majestade, no fundo, é o lugar de um infeliz que vive para seus tietes e por eles. Não tem sua vida para si. São inumanos.
Ele não pode precisar de ninguém, e amar é precisar…
Eu digo que um líder do século 21 pode amar sim. Pode ser imperfeito e ainda sim ter as qualidades para exercer essa função. Porque é disso que se trata: a função de pôr juntas muitas diferenças e de fazer essa junção produzir seja o que for: conhecimento, dinheiro, diversão etc.
Um líder horizontal não precisa ser modelo, mas ser ele mesmo e achar seu caminho a cada momento. Os outros seguirão os seus próprios caminhos também e eles se encontrarão naquilo que os une mesmo, sem se mutilarem para haver o “encaixe perfeito”.
Gente que é gente não se encaixa. Só o faz quem se vendeu e entregou sua alma para virar xerox.
Líder horizontal não precisa ter seguidores. Todos podem reinar, cada qual sobre sua vida e seu desejo. Todos – inclusive o líder – com o direito de errar e reconstruir. Com direito à presença de outros na vida, outros iguais, fraternos, não súditos. Pessoas fazendo acontecer e não seres babantes, gozando com o que o ídolo é e faz.
Um elefante não pode jamais se encontrar com uma baleia – imagem usada por Freud. A amizade – sentimento mais nobre que pode unir o ser humano, segundo Flávio Gikovate – só pode acontecer entre os que estão no mesmo mundo, nas relações horizontais, portanto.
Um líder vertical jamais vai poder se encontrar com seus liderados. Jamais vai poder conviver lado a lado. Só lhe resta, das alturas, ditar o que fazer ao súdito perdido e desejoso de uma resposta.
E você, qual dos dois tipos prefere?