Luciene Godoy //
Dar-se um grande presente certamente não é comprar um objeto descartável qualquer.
Estamos em um mundo cheio de descartáveis. Nada contra. Algumas coisas são para uso e descarte – palito de fósforo riscado, por exemplo. Mas parece que estamos sendo levados a um “pensar descartável”: já compramos algo sentindo que ele está envelhecendo no momento mesmo em que saímos da loja. Talvez, para alguns, o entusiasmo do brinquedinho novo não o permita, mas fatalmente chegará, e rápida, a sensação de substituição necessária.
Será que podemos chamar isso de um comprar inconsequente? Parece mais um comprar sem degustar, sem curtir prolongadamente de forma que a necessidade imperiosa de outro objeto fique, de fato, em suspensão.
Sentir-se tranquila e prolongadamente satisfeita pela aquisição de algo: será que isso existe no século 21?
Entre o descartável e o luxo, está, veja só, o seu desejo. Não o desejo de agradar ou ser aceito, mas o seu desejo que muitas vezes nem é tão socialmente aceito e reconhecido.
Quando ousamos nos escutar e dar corpo às nossas “loucuras”, será que pagamos um alto preço? Alto preço pagamos pelo que fazemos contra nós e não a favor. Quando temos a coragem de bancar aquilo que sussurra dentro do peito, aquilo que pertence a nós, de que temos fome e não o que alguém pensa que devemos desejar, experimentamos alegrias indizíveis.
Às vezes, adquirir algo muito caro, muito na contramão do bom senso, pode não só nos dar uma prolongada sensação de bem-estar como abrir novas portas em nossas vidas.
Tenho uma amiga que, de última hora, com a viagem “oficial” que comemoraria seus 50 anos marcada, mudou tudo, bancou a escolha de um outro destino e fez a viagem de sua vida. Hoje com 60, ela diz que sua vida não foi mais a mesma depois daquela ousadia. Ela não só se descobriu sendo capaz, como mudou seu estilo de vida e banca muito mais tudo o que quer. O presente de aniversário dos 50 dura até os 60 e parece que vai continuar.
Quando temos a coragem de nos ofertar grandes presentes, nos pomos em risco – risco esse, inclusive, de no mínimo perder muito e não pouco. Perder não só dinheiro, mas o respeito das pessoas, pois a nossa escolha pode ser inaceitável.
Uma vez comprei uma blusa que custou o preço de várias. Até hoje vesti-la é sentir-me coberta de algo que é mais do que roupa. Ela vale por 10 ou 20 blusas que passaram por minha vida e nem na memória estão mais. Existirá para sempre.
Tem muitos presentes luxuosos e caros que podemos nos dar como, por exemplo, deixar de trabalhar tanto. Para alguns profissionais, deixar de ganhar dinheiro pode lhes dar o luxo de dispor de tempo para o que bem entenderem. Luxo total, o luxo de não ganhar dinheiro! Workaholics de plantão que se indignem, mas existe prazer no trabalho e também fora dele.
O luxo que nos damos é a grande marca de nossa identidade. É a prova dos nove do que realmente tem valor para cada um de nós. O que você mais preza? É aí que você está. É aí onde se manifesta a sua diferença, pois não estou falando do que é luxo para o grupo, mas do que é luxo para você. Escolher o seu luxo pode mais te excluir do que incluir. Se você não suportar a desaprovação, então, aí, vai escolher sempre o que é luxo para os outros.
Ainda bem que a questão vai ficando cada vez mais a favor do sujeito do que do grupo. O filósofo e sociólogo Gilles Lipovetsky afirma que o exercício do luxo está cada vez menos ligado ao olhar do outro e mais colocado a serviço do indivíduo em sua vida íntima, tomando o tom de suas sensações subjetivas.
Bom para nós, bom para o mundo, que terá menos infelizes obedientes e medrosos.
Trata-se de discriminar entre o luxo e o lixo, o descartável e o desfrutável e pimba na gorduchinha! Vamos entrar no jogo! Entre o ganhar e o perder, viveremos… viveremos o luxo de correr riscos e ter emoções.
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Artigo originalmente publicado no jornal O Popular, de Goiânia, em 1º de outubro de 2015.
Esse texto só é totalmente compreendido para quem ousa vivê-lo. Maravilhoso!