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O alfabetizado analfabeto

Definição mais básica de analfabeto: aquele que não sabe ler nem escrever. Pode também ser aquele que não conhece determinado assunto. Ou então pode simplesmente designar uma pessoa muito ignorante e não exatamente que não saiba ler.

Ignorante, por sua vez, é aquele que não está a par de algo.

Mistério…

De que estou falando afinal? Dos que apenas desconhecem algo? Ou seria dos que leem e não entendem o que foi lido e por isso seriam alfabetizados analfabetos?

Nada disso.

Estou falando dos acontecidos de nossas vidas que não sabemos ler.

Estou falando de nossas histórias presentes e passadas que interpretamos como quem não sabe ler.

Não sabe ler as entrelinhas. Não sabe ler de trás pra frente, nem de ponta cabeça. Tudo o que se passa entre os seres humanos tem essa riqueza imensa. Não dá para saber à moda de um robô — se ele existisse — nem à moda do computador, que corrige automaticamente algo que queremos mudar por uma questão de estilo.

Uma máquina não entende o “mais além” que é expresso num tom de voz, num levantar de sobrancelhas, num desviar de olhar. O ser humano não só inventou a linguagem que significa algo especifico no código como também o sentido subjacente para além e para aquém do que foi dito.

Se Deus escreve certo por linhas tortas, o ser humano também. Quantas vezes dizemos de maneira torta algo que, se formos esmiuçar, não era bem aquilo que saiu? Por isso é preciso aprender a ler além do bê-á-bá, ler o subjetivo, o sutil que está dito de formas inusitadas e fora do padrão.

Lembro que passei anos de minha vida paralisada no meu escrever pelo que me fez uma professora de português de minha adolescência. Ela me chamou diante da turma, coisa que geralmente fazia para elogiar a melhor redação. Quando cheguei alegre e saltitante, pois sabia que tinha feito uma bela redação, a mestra me detonou diante do grupo dizendo da vergonha que era fazer uma cópia e apresentar como uma criação. Terminou afirmando que só não conseguira descobrir de que livro eu tinha plagiado o texto.

Apesar de meus protestos, que foram sumindo diante de tanta convicção da indignada mestra, retirei-me dilacerada. Eu tinha tirado aquela história — de retirantes do nordeste, me lembro bem — do fundo de minha alma.

Anos se passaram e um dia me dei conta de que aquela injustiça, se não fosse lida por um analfabeto, se fosse lida nas entrelinhas do fato, revelaria um tremendo de um elogio. A professora simplesmente não tinha conseguido conceber que uma adolescente de 12 anos de idade pudesse ter pensado e escrito aquilo.

Reli minha história, refiz minha rota.

Fica o convite para que você releia a sua história naquilo que lhe causa sofrimento ou que você lê como impedimento a que alcance o que deseja.

Mude-as de lugar, faça com que portas fechadas sejam abertas, com que o que foi ruim franqueie coisas boas. Mude a história de sua vida e, assim, mude o seu presente.

“Eu sofri porque não fui o preferido” pode virar “Que bom que me construí com muita autonomia!” Não é balela. Existe sempre um lado diferente e melhor para se considerar cada fato.

Ressignifique e livre-se das leituras impróprias, ou pelo menos desfavoráveis, que você fez de sua história. Viva o personagem que você é hoje e não o que supõe que fizeram para você.

Se eu estivesse ainda chorando o leite derramado da professora que me humilhou perante os colegas,  não estaria hoje aqui no jornal, escrevendo para vocês que consegui fazer da vergonha o maior elogio que já recebi em toda a minha vida.

Não podemos escolher certos fatos, mas podemos escolher a interpretação que damos a eles.

E a nossa força reside nisso!

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