Já ouviu falar em superego?

O Id e o Superego (Phil Kirkland, 1971)

Luciene Godoy

Ou supereu, como nas novas traduções de Freud. Diz-se de uma instância que nos vigia, exige, corrige, cobra.

Cobra o quê?

A perfeição é claro!

Freud em seu ensaio “O Mal Estar na Cultura” aponta-o como uma das razões da infelicidade humana, talvez a mais forte.

Será por isso que, não importa o que façamos, parece que estamos sempre aquém, devendo sempre ao invés de nos sentir “quite” (palavrinha não muito usada hoje que quer dizer livre de dívida, que saldou suas contas)?

É mais ou menos isso.

Bem, o supereu é definido como as regras da cultura que internalizamos e aí temos o vigia cultural dentro de nós comandando os nossos atos e, pior, determinando o que pensamos de nós mesmos.

O supereu só aponta falhas. Não é, absolutamente, do seu campo os elogios e as aprovações, pois está sempre a procura de mais falhas para serem “sanadas”. Não nos dá sossego nem quando acertamos porque, de imediato, passa a apontar outros deslizes que já tivemos ou nos encurrala com medo dos erros que ainda cometeremos. Ficamos apavorados, cercados de medos de falhas do passado, presente e futuro.

Também monitora as nossas intenções e nos culpa apenas por haver pensado, como se feito tivéssemos.

É o inferno! Não nos dá e nem nos deixa ter paz nunca.

No entanto sem ele não haveria a civilização e o ser humano não poderia viver junto. Seria um comendo o outro. O que já acontece apesar dele, já que a perversão é o outro lado da moeda. É o “tudo é proibido” do supereu versus o “eu posso tudo” da posição perversa. É escolher entre ser vítima ou espertinho.

O que poderá nos salvar se não quisermos ser nenhum dos dois?

A ética. Tomada aqui não só como a capacidade de escolha entre o bom e o ruim, o certo e errado, mas também a capacidade de agir segundo o contexto que se vive e não em ser governado por regras generalizadas, portanto, cegas, não aplicáveis à singularidade absoluta de cada pessoa, a cada momento. Poder fazer escolhas não padronizadas fora do “tem que” da cultura. Transgredir quando for o caso.

Transgredir é, por exemplo, nos darmos por satisfeitos (coisa que o supereu nunca, jamais permite), por termos feito, simplesmente por termos feito o que demos conta, nem sempre o nosso melhor, mas o que foi possível.

Se não buscarmos a perfeição, daremos um duro golpe nele e recuperaremos território para sermos satisfeitos conosco e com a vida, por imperfeita que seja, que lutamos para conseguir levar.


Artigo originalmente publicado em 2 de junho de 2011 no jornal O Popular.

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