Félix é bicha má?


Personagens de novela como o Félix (Mateus Solano), de Amor à Vida, sempre chamaram muito a atenção dos telespectadores. Lembremo-nos de Crô (Marcelo Serrado), que em Fina Estampa fez também tremendo sucesso. E vamos nos recordar de outros do passado, se puxarmos pela memória.
O que será que atrai tanto nas “bichas más”?
Não nos percamos por caminhos óbvios dizendo que é porque eles são cômicos e divertem todo mundo ou que, por serem gays, têm um lado extravagante e desconhecido que nos desperta o interesse. Nem venham dizer também que assisti-los nos permite entrar num mundo desconhecido de nós, “héteros” bem definidos, que supostamente nos posicionamos de um lado ou do outro da escolha sexual – visão por demais batida.
Ocorreu-me uma resposta que vai por um outro caminho.
E se o nosso interesse por esses personagens se desse exatamente pelo motivo oposto ao normalmente pensado, ou seja, temos grande interesse neles não pelo que eles têm de diferente de nós, mas pelo que têm de parecido?
Somos todos gays?
Não se trata disso.
Penso que o que nos atrai é justamente a junção que existe entre masculino e feminino. Analisemos um pouco o Félix: ele é homem, biologicamente falando, mas muito feminino, com a inteligência e sagacidade que só alguém não aceito na sociedade tem que desenvolver para se integrar e ser tolerado num mundo onde ele não é valorizado sendo o que é. Essa é a posição feminina tradicional num mundo patriarcal.
Quebrar as regras e transgredir são atitudes para aqueles que não têm nada a perder. No entanto, e é aí que eu vejo a brecha, à medida em que a história se desenrola, tanto Félix quanto Crô vão se revelando seres com qualidades que vão nos agradando até chegarem a ser – e ninguém se assuste com a palavra – éticos. Esse é um valor tradicionalmente masculino em uma cultura patriarcal.
Eles começam a ajudar quem está próximo, fazem justiça contra os maus e no fim são recompensados por terem , diria eu, conseguido fazer triunfar seu lado louvável.
Digo que queremos  –  mesmo sem o saber, como numa espécie de pressentimento de saber o que é bom para a gente – dar conta de juntar o nosso lado masculino e feminino.
Muitas pessoas já pressentem, já farejam que tem uma mudança que vem vindo e que nos convida para vivermos sem essa divisão homem/mulher, mas numa integração entre esses dois lados.
Nos tornaremos cada vez mais “homemmulher” e “mulherhomem”.  Seremos as duas coisas. Cada lado entrando em cena no momento em que for o caso.
Vislumbramos isto, sim, em personagens como o Félix, uma feliz junção que nos liberta do peso de ter que fazer um papel, para podermos ser mais flexíveis, viver mais invenções e ainda assim participar do mundo como seres dignos de admiração e respeito.
Como eles, não temos que mostrar os atributos esperados em um homem e em uma mulher para poder ter um lugar e ter um lugar e participar do grupo. Podemos ocupar  vários lugares: não só sendo um “homemmulher” ou uma “mulherhomem”, mas também aqueles vários lugares que temos a cada momento: amigo, colega, pai, mãe, profissional etc.
Personagens como Félix e Crô nos fascinam porque anunciam, mesmo que de maneira caricata, às vezes, a possibilidade de juntar masculino e feminino e dar certo, resultando em um ser humano diferente, inteligente, inventivo, bem-sucedido, amoroso e ético.
O século 21 é um mundo que exige polivalência, jogo de cintura, flexibilidade e inteligência inventiva que só os guerreiros desenvolvem. E a junção destes aspectos cria um novo ser humano que não será definido pelo sexo que tem entre as pernas, mas pela construção que fez de si mesmo, juntando tudo o que a sua história pessoal o proveu para viver uma vida que não estava no script de ninguém. Uma vida única, sem nenhuma outra igual.
Uma vida sem a “guerra dos sexos” porque ela não fará mais sentido


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