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Diferença não é mais doença

Uma propaganda recente na televisão mostrava uma criança com síndrome de Down vencedora em um esporte e terminava com a frase: “Síndrome de Down não é doença”.

 

Fiquei encantada com a ideia, porque, se formos ao dicionário, ele nos informará que a síndrome de Down é um distúrbio genético por deficiência mental, crescimento retardado e anormalidade física bem definida: crânio e faces pequenos e achatados, traços semelhantes aos dos mongóis.

 

O que parece incongruente nada mais é do que mais uma evidência de que o século 21 é o tempo em que as diferenças do ser humano não serão mais vistas como doença. Daí decorre o fato de se poder dizer que a síndrome de Down não é doença, ela é uma diferença. E diferenças – quaisquer que sejam elas – são próprias do ser humano.

 

No fundo a ideia subjacente àquela propaganda é que ter algum tipo de diferença não é ser doente. Veja o que os Downs trazem ao mundo com o seu jeito particular de ser, marcado por um jeitinho de criança. Eles falam e fazem coisas surpreendentes que nos tiram de um olhar fossilizado. Ou então nos enternecem profundamente pela sua capacidade de serem carinhosos.

 

Eles também colorem o mundo com o seu jeito único de ser.

 

Hoje, começa-se a ver os autistas de forma muito diferente de antes. A mudança se dá a partir de escritos dos próprios autistas que começaram a comunicar sua visão muito particular de mundo. Eles também trazem um modo de ser e viver que desconhecíamos, e aí tachávamos de doença e ponto final.

 

Num mundo edípico com grupos definidos, você tinha que pertencer e ser igual a um deles para poder existir. O que não entrava era errado, pecado ou, pior, era doença, deformidade, anomalia.

 

As abelhas são iguais, as formigas e os cupins também. São sociedades, mas não formam uma cultura. Não renovam conhecimento, criando um novo mundo a cada geração. Humanos, sim, criam um mundo a cada geração.

 

Se fossemos abelhas, a cada geração a casa das abelhas teria um formato, cor e dimensões diferentes da anterior. Já pensou cupins fazendo cupinzeiros em pilotis, quadrados, retorcidos, triangulares etc? A natureza enlouqueceria porque cada espécie perderia suas características, ficando indefinível. Caos total.

 

O ser humano é indefinível. Só o apreendemos em pequenas partes, algumas sempre escapam.

 

Nunca saberemos exatamente quem somos e do que somos capazes. Somos uma eterna surpresa ou pelo menos uma surpresa latente, em potencial, só contida na tentativa de não mudar para não sofrer.

 

Conta-se que no século 18 os grandes pensadores da época propuseram um desafio: qual deles conseguiria cunhar uma frase irrefutável do que distinguiria o ser humano do animal? Todas do tipo “O homem é inteligente” foram desbancadas (porque os animais têm sua inteligência também), menos a que é atribuída a Rousseau. Algo como: tanto o homem quanto os animais aprendem, só que o animal tem um limite para aprender e aí para tudo. Somente o ser humano aprende indefinidamente até a hora da morte.

 

Agora, no século 21, momento em que já se pode ver a insuficiência dos padrões para nos unir, temos formas mais sofisticadas para darmos conta de viver juntos. Podemos nos saber como seres de uma diferença radical uns dos outros, mas unidos em algumas coisas, como, por exemplo, a necessidade e o amor que temos uns pelos outros.

 

Ao que chegamos finalmente foi à liberdade de poder pertencer sem ter que nos mutilarmos para nos fazermos iguais. Somos iguais em muitos itens e isso já nos une suficientemente sem precisarmos nos adulterar.

 

Então, e por isso, “Síndrome de Down não é doença” pode ser lido como “Ser diferente não é doença”.

 

E ainda tem gente que diz que o mundo não melhorou!

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