A mulher no mundo patriarcal era o gênero desvalorizado.
Dependia de ter um homem para ter valor. Tinha que se virar de múltiplas formas para atender ao desejo daquele homem que a possuía.
Tinha as exigências universais de cuidar da casa e dos filhos, ser a rainha do lar e fazer sexo quando seu amo e senhor assim o desejasse – as obrigações conjugais.
Mais ainda: tinha – e isso é muito confuso – que satisfazer os desejos singulares de seu marido. Desejos cuja origem era a infância. Desejos neuróticos de ter o que não teve ou de continuar a ter para sempre o que já passou da hora de acabar.
Ou seja, cada esposa tinha que também de ser a mãe de seu marido, tentando atender demandas incompreensíveis – porque de outra cena, de outro tempo e sempre com o final infeliz porque a frustração é certa. Ninguém consegue atender ao desejo de gozo sem limites de uma criança disfarçada de adulto, e ainda mais dona do brinquedo.
Coitada daquela mulher, uma infeliz submetida ao outro.
Coitado do homem também.
Sim, porque, à sua maneira, o homem era submetido ao desejo de um Outro – a cultura – que, sendo patriarcal, o valoriza mas cobra obediência irrestrita.
Existe mesmo diferença?
O gênero feminino era escravizado ao gênero masculino, mas os homens, por sua vez, também eram escravizados às regras de um Pai intransigente, ou seja, à cultura que queria a organização e não o prazer.
Falando em prazer, onde é que ele ficava?
Cada um se virava como podia: vivendo e escondendo.
O homem podia ter a “mãe” em casa e a amante fora. Pulava a cerca – porque tinha habeas-corpus – para escapar da prisão sem prazer para uma festinha temporária. Mas voltava sempre para assumir o seu posto.
Ou então bebia, bebia grande parte do tempo livre do trabalho, bebia com os amigos, brincando de ser criança, livre dos constrangimentos, férias a que tinha direito nos fins de semana. Isso para os mais “pidões”. Porque os que se submetiam obedientemente às cobranças sociais tinham que ser bons filhos, bons maridos e bons pais, trabalhar muuiiito, ganhar dinheiro… E aí morriam cedo, é claro.
Mas até para morrer morriam dentro do padrão. Morriam cedo, deixando a família “bem”, quer dizer, com dinheiro para não pesar materialmente aos outros homens da família, que já teriam muito trabalho em gerir os bens pela viúva que nada sabia das questões da vida pública.
As mulheres obtinham prazer nas infinitas reclamações, nas insatisfações eternas, nas doenças recorrentes, fazendo-se de vítimas sofredoras, sacrificadas pelos filhos e pela família.
Felizmente esta fase do nosso desenvolvimento social e histórico está com os dias contados.
Porque, com a queda dos ideais, a falência da crença nas lideranças, nos grupos, na pátria, na organização social que tínhamos como capaz de cuidar de nós, ficamos sem pai nem mãe.
Expressões como “todo mundo tá meio louco”, deprimido, “panicado” nos descrevem muito bem.
Por outro lado tem tanta coisa nova acontecendo, tanta invenção, as pessoas querendo viver bem, viajar, descobrir, curtir a vida antes da morte, fazer isso e aquilo antes de morrer…
O homem se libertou da sujeição ao social e a mulher, do homem.
Agora podem ser amigos e amantes, porque livres.
Se não tomarmos as rédeas e pilotarmos cada um o nosso avião, ele vai cair; porque estamos num mundo sem piloto externo, sem ideais, sem padrão.
Assuma o leme que o piloto sumiu.
No século 21 não temos a quem chamamos de culpado pela nossa infelicidade ou por as coisas não darem certo, a não ser nós mesmos.
No nosso século não dizermos: “Apertem os cintos, o piloto sumiu”, apavorados e submissos. Mas sim: “Levantem, façam alguma coisa, peguem o leme, que piloto não há.
Luciene, que maravilha este seu artigo, temos mesmos de pegar o leme, porque o piloto já morreu há muito tempo.
Luciene, que texto vívido meu Deus!! Vi cenas de casais da geração anterior e alguns traços ainda hoje, mas levíssimos se compararmos com antes…! Parabéns e mais uma vez grata por vc nos brindar com suas riquezas!