Luciene Godoy //
Como, afinal, nós, psicanalistas, podemos ajudar pais e mães a ajudarem seus filhos a crescerem saudáveis e felizes?
Sem divagar muito, nosso primeiro passo é informar a esses pais conhecimentos muito recentes sobre as necessidades e a importância que as relações têm para a produção de um ser humano. Os estudos sobre as competências e sistemas interativos precoces do ser humano nos tem fornecido uma outra imagem do que conseguimos e necessitamos adquirir e construir nos primeiros anos de vida, para, exatamente, podermos usufruir dela em nossas relações de trabalho e de amor.
Há, para nós, uma eclosão da vida psíquica que se realiza no encontro do corpo com o outro. A criança é desafiada a descobrir a realidade que a cerca, integrar a existência de outros objetos no mundo além de si mesma (superar o narcisismo de se achar “o mundo inteiro”) e simbolizar essas experiências.
Para que isso aconteça, é preciso que haja o encontro emocional com os adultos que dela cuidam. A qualidade desses encontros e desencontros é o alimento ingerido pelas percepções do pequeno, que virá a ser um bem alimentado e saudável ser humano. Ou um subnutrido e raquítico emocional com sequelas maiores ou menores do investimento que recebeu dos pais no começo da vida.
A atividade de pensar é uma das competências que será construída pela intermediação do outro. Segundo pesquisadores franceses como Albert Ciccone, para a criança aceder a essa habilidade terá de contar com três partes: primeiro, deverá ter o “equipamento somático-neurofisiológico” em bom funcionamento; segundo, ela necessitará de um meio que pense; terceiro, e aqui entra a parte mais importante dos pais, ela precisará do “investimento” desses adultos que vão lhe “emprestar” os pensamentos.
Estranho falar isso. É um investimento que não é de dinheiro, é de presença. E um empréstimo que não é empréstimo, é doação, pois, ao ser depositário do investimento, o pequeno tomará posse para si do que ganhou dos pais nas relações que mantiveram no dia a dia.
Não há outra maneira de se ajudar um ser humano a se humanizar e a crescer senão por intermédio do que o adulto “vive” com ele. A criança nasce com um equipamento neuro-anátomo-fisiológico e psíquico para aprender a ser o que testemunhar do mundo que a rodeia.
Criança não aprende com conselhos, ela aprende com o que presencia, com o que existe (e que, muitas vezes, fingimos que não). Até mesmo por isso é que, no conto de Hans Christian Andersen, foi uma criança que gritou que o rei estava nu, enquanto todos participavam da mentira coletiva de ver o que não existia para agradar a todos.
Dizemos isso não para pesar ainda mais nos pais a tarefa de bem criar os filhos – que eles já sentem muito frequentemente como árdua. Não, isso é para que entendamos o que de fato conta nessa história, para que dessa forma ela possa ficar mais leve, eficaz e – por que não? – divertida e prazerosa. Para que essa parte boa seja muito mais frequente do que os parcos momentos emocionantes em que vemos um filho dar conta de se sair bem na vida ou qualquer outro momento que nos informe que conseguimos como pais.
Podemos ter a sensação diária de conviver com pequenos seres que ensinamos e que nos ensinam. Mas isso só acontece se, como adultos, tivermos nos separado das expectativas do outro sobre nós e tivermos vivendo nossa vida como nossa. Se, mesmo sendo pai e mãe, ainda existe o peso de ser o filho dependente e carente da aprovação adulta, você não cresceu ainda. Você ainda está no estado infantil de dependência da avaliação do outro e, portanto, não dá para ser o adulto que a criança precisa para crescer. Você não passará de outra criança tentando conduzir uma mais novinha. É um cego conduzindo outro.
Lição numero um, pois, para ajudar uma criança a um dia dar conta de ser um adulto: só se os pais já tiverem conseguido crescer tendo se libertado da dependência exacerbada do outro.
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Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 5 de junho de 2015.