Luciene Godoy //
A pesquisa se propunha a descobrir qual seria a única manifestação das emoções genuinamente universal. Imediatamente me veio à mente: choro e sorriso. Qual nada. Nem passaram perto.
Então seria cenho franzido indicando raiva, boca travada, posição corpórea para atacar? Mais longe ainda.
Melhor parar por aqui, senão o tempo se esgota, pois para nenhuma dessas emoções as diferentes culturas do Planeta Terra têm a mesma manifestação.
Só foi localizada uma única resposta universal de sentimentos que é o aumento da íris quando se tem interesse por algo: o olho cresce e se ilumina. Não tem disfarce.
Recebemos recentemente o psicanalista Contardo Calligaris em nossa chácara em Caldas Novas e, numa conversa com um grupo de amigos à beira da piscina, eu disse o quanto era gostoso namorar casada. Ele, sem perder o timing, sorriu maliciosamente denotando que tomara a frase como “namorar com um e estar casada com outro”.
Caímos na gargalhada e eu emendei: “É namorar o próprio marido”. Silêncio sepulcral. Voltei à carga: “Namorar casado é possível porque enquanto um quiser conhecer o outro – se não estivermos doentes na fixidez neurótica – crescemos e mudamos para sempre, portanto, podemos também namorar para sempre”.
Namorar é querer continuar a conhecer o outro, querer saber quem ele vai se tornando na vida. Namorar é querer aprender com o outro, ouvir o que ele tem a dizer sobre tudo. Namorar é mudar consigo e com o outro. Esta é uma maneira de continuar a compartilhar a vida com o outro e não se enterrar no “casamento-túmulo-do-amor”.
O biólogo molecular Bruce Lipton, que estuda as relações entre as células a partir do contato da membrana celular com o mundo externo, achou muitas similaridades com o ser humano.
As células mantêm-se em duas relações com o mundo, uma de abertura, quando o meio externo é nutritivo, e outra de fechamento, quando o mesmo é nocivo, tóxico.
A abertura significa querer aprender e se nutrir do que está lá fora. O fechamento, querer se proteger da ameaça externa detectada.
Vale a pequena fórmula:
Abertura = risco e crescimento
Fechamento = fixidez e morte
Equilibrar estas duas posições é da ordem do savoir-y-faire (saber fazer com cada situação), de Lacan.
O adulto, geralmente, já com tantas decepções acumuladas e com algumas aberturas que deram certo, segue repetindo as mesmas respostas e, de vez em quando, tirando um pouco a cara da trincheira, às vezes sendo alvejado, às vezes recebendo a lufada de ar novo e a paisagem bonita lá de fora.
Mas a criança, é essa que tem os olhos abertos querendo descobrir, querendo aprender e, exatamente por essas duas razões, vai vivendo e não se protegendo.
O que talvez não tenhamos nos dado conta é de que o interesse e o movimento nos protegem também. Andar e deixar os ataques e tristezas para trás, lá no passado, já nos protegem o suficiente sem precisarmos de nos fechar em uma armadura asfixiante.
Desejar, querer descobrir, querer inventar, se arriscar e se surpreender, usufruir do mundo, são possibilidades só para olhos bem abertos.
Namorarmos o nosso cotidiano, nossos amigos, nossa família. Namorarmos nosso trabalho, nossas férias e fins de semanas que desconhecemos.
Namorar a vida… de olhos bem abertos para descobrir o tanto de coisas relevantes com as quais convivemos e que não existem porque nossos olhos estão: ou fechados ou olhando em direção ao passado&futuro, mas não aqui.
A vida para ser vida… só de olhos bem abertos.
Você morrerá sem saber tudo o que você mesmo é. Você morrerá no meio da construção de si mesmo.
Morra inventando-se e namore eternamente o mundo e você mesmo… de olhos bem abertos.
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Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 4 de fevereiro de 2016.