Vírus e Vida 3

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Luciene Godoy //

O mundo está ameaçado por um invisível inimigo.

– O vírus?

– Não. O ser humano. Temos matado lentamente nossa mãe maior, o planeta Terra. Como filhotes insaciáveis, mamamos mais do que ela pode suportar e ela vai definhando, adoecendo, e dá sinais de que já está morrendo, exaurida.

Mas nós, colados ininterruptamente às suas tetas, não nos damos conta de que nossa mãe perece lenta e consistentemente.

O neurocientista Sébastien Bohler explica que fomos programados geneticamente, desde a pré-história, para sobreviver na grande escassez. Dessa forma, sempre que encontramos condições que garantam nossa sobrevivência, nos apropriamos da maior quantidade possível de tudo quanto há.

Bohler afirma que ainda somos dominados por essa força, mais forte do que a razão, que não teve tempo de se adaptar a uma sociedade como a nossa – onde existe grande oferta de tudo, ou seja, de comida, sexo, poder (status social) e conhecimento (para sabermos como nos proteger dos perigos). E, não menos importante que tudo isso é o fato de termos esse impulso incontrolável, essa busca por sempre mais, de forma ilimitada e com um gasto mínimo de energia – sem levantar do sofá!

Veja que esta mistura, perfeita para a sobrevivência em savanas pré-históricas é, no século 21, a maior ameaça à nossa sobrevivência como espécie, porque estamos destruindo o planeta que nos nutre e protege.

Hoje, morre-se mais por obesidade do que por fome; grande parte da poluição é gerada pela energia gasta em nosso desenfreado consumo de moda, carros, viagens e tudo mais que possa garantir nossa aceitação no mundo, nossa sobrevivência social.

Tudo isso semiconsumido rapidamente e jogado no lixo com muito ainda a ser usufruído. E nada nos interrompe –  continuamos correndo atrás de mais e mais para obter o prazer do circuito da dopamina, a grande recompensa que obtemos sempre que agimos cegamente atrás desses itens para “sobrevivermos”.

“Sabemos” de tudo isso, mas nada nos faz parar. O mecanismo é esse mesmo, ainda estamos programados geneticamente para não pararmos de buscar satisfação, como viciados.

Bem, agora existe uma ameaça. A do vírus que pode nos destruir. Finalmente nós, que estamos construindo uma autodestruição sem querer saber disso, talvez levemos o choque de sentir na pele que a morte é certa e iminente; e junto ao medo do vírus, pode vir também a percepção de outra ameaça – maior ainda – a humana.

O mundo está mais limpo, pessoas foram levadas pela circunstância a descobrir que vivem melhor com menos. Se aprendermos a ter mais prazer com menos desperdício cego, paramos com “as garras da ameaça da voracidade humana” sobre nosso planeta agonizante. Fomos brecados por uma pandemia e talvez essa parada nos dê condições de pouparmos nossa própria casa-mãe-Terra. Talvez consigamos ter uma ajudinha eficaz da ameaça virótica para evitarmos sermos nós mesmos nossos próprios destruidores e mais perigosos do que qualquer vírus.

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Imagem: Canva Magic Media (gerada por IA)

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