Por que será que se fala tanto em felicidade nos últimos anos? Pode-se ingenuamente pensar que sempre se falou.
Será que na Idade Média falava-se muito em felicidade? Ou será que se falava em pecado, castigo, céu e inferno? Aliás, o céu e o inferno caíram de moda. Ouvimos que céu e inferno estão dentro de nós, que estão aqui mesmo na terra ou que são somente as consequências de nossos atos.
Localizemo-nos melhor dentro do movimento da história para entender que a maneira que vemos e vivemos a questão da felicidade na contemporaneidade tem um caminho construído com muito esforço, que foi aberto no meio da escuridão.
O lugar central que ocupa o desejo de ser feliz hoje testemunha uma materialização progressiva da questão da felicidade que durou dois séculos.
No século 18, conhecido como o “século das luzes”, muitas vozes se levantaram para dizer que a religião não poderia ser a única fonte de explicação da vida e de seus fins.
Voltaire, um dos iluministas, dizia que “A grande e a única questão que nós devemos ter é a de viver feliz”. Isso era muito revolucionário num mundo no qual só se pensava em salvar a própria alma do fogo do inferno.
Todo o “século das luzes” reflete sobre o que é a felicidade e chega à conclusão que a felicidade é uma questão dos homens na Terra. Que tem a ver com o prazer que experimentamos no corpo e não a salvação da alma. Por isso, a ideia da salvação foi, segundo Michel Foucault (filósofo francês que pesquisava a filosofia da história), substituída pela busca da saúde do corpo – vê de onde vem toda essa ideia, às vezes até exagerada, de cuidado com o corpo e a saúde?
Isso é totalmente novo.
Por toda essa construção histórica é que Freud pôde, já no século 20, afirmar que a felicidade é uma aspiração universal e que ela é mesmo a finalidade da vida humana. Ele vai mais longe quando afirma que a aspiração à felicidade é essencial à constituição do sentido da vida. Que a crença na felicidade nos aponta os rumos a seguir, as escolhas a se fazer.
É isso: Freud liga a busca da felicidade ao sentido da vida, o que não é pouca coisa.
Sabendo de tudo isso, talvez agora você não aceite tão facilmente que se diga ao seu redor que felicidade é uma busca superficial de bem-estar, que só pessoas ingênuas e egoístas desejam alcançá-la.
Estamos colhendo os frutos de 200 anos de história que passaram por quebras e reconstruções de padrões de comportamento e de crenças. Chegamos onde estamos: no limiar de um mundo com relações horizontais, em rede, com o poder diluído cada vez mais nos dedos de cada um.
Hoje temos mais acesso ao direito de viver uma singularidade sem ser queimado na fogueira ou ver os rostos se virarem em desaprovação.
Hoje já somos até aplaudidos quando assumimos o risco de fazer diferente, de inventar um jeito especial de fazer seja lá o que for.
E essas são as condições da felicidade: não viver para a expectativa do outro, mas sim, segundo seu desejo, mesmo parecendo esquisito aos olhos dos outros.
Estamos vivendo as conquistas de homens visionários que anteviram seres humanos podendo fazer o que fazemos hoje. Usufruirmos como nunca antes das descobertas tecnológicas em todos os campos, principalmente o da comunicação – o que, insisto, dá a cada ser humano a possibilidade de falar com o mundo inteiro –, privilégio antes só tido por homens detentores de grande poder.
E se não bastasse todas essas conquistas, temos ainda uma nova forma de transcendência (aquele valor que nos coloca para além do material), que é o amor pelo outro ser humano sem que ele tenha que ser igual a nós.
Desfrutemos com consciência e gratidão dos frutos que muitos plantaram para o futuro da humanidade.
E esse futuro somos nós.
E depois alguns vêem dizer, que procurar a felicidade na psicanálise é muito pouco! Parabéns por mais um maravilhoso texto. Como vê continuo em seu encalço .
Ótima Texto!
Depois da psicanálise encontrei a verdadeira felicidade, a felicidade interior. Obrigada Luciene pelos primeiros ensinamentos de Freud.