A comunicação não existe


     
Quem é que diz esse absurdo? Jacques-Marie Émile Lacan.
Pois é, ele mesmo, o Lacan. Ele diz que pelo fato de cada um de nós falarmos uma a-língua, ou seja, uma não-língua, não dá para a gente se entender de fato.
Habitamos, cada um de nós, um universo único, um mundo do qual, a rigor, ninguém mais participa. Somos de planetas diferentes. Planetas também únicos. Ninguém mais, além de nós mesmos, habita cada um desses planetas tão numerosos quanto é o número de seres humanos na face da Terra.
O planeta Terra é o conjunto de bilhões de pequenos planetinhas que vivem por aí, cada qual com sua forma e sua cor única, cada qual em sua órbita imprevisível – sim, porque esses planetinhas-gente não são obedientes às leis da objetividade, mas sim, às leis da subjetividade.
Nessas órbitas de infinitos circuitos tem muitas colisões. Às vezes elas são  fatais, às vezes machucam, às vezes criam algo novo.
Então, como é que cada planeta único, diferente de todos os demais, se comunica com o outro?
É, já disse que não tem comunicação, mas explicando melhor: não dá para pensar que o que falamos é o que o outro vai entender. Não tem jeito de ser igual ao que imaginamos, e isso pelo fato de que cada palavra tem um mais-além do que o que consta no código, no dicionário.
Por exemplo, alguém pode pedir um copo de água a um amigo, mas esse amigo, que já conhece algumas palavrinhas da a-língua de quem lhe pede, vai pensar: “Ih! Ele está me pedindo um tempinho para conversar. Quando ele pede água é porque está buscando ser ouvido”.
Estranho, né?
Nem tanto. Fazemos isso o tempo todo. Falamos algo querendo dizer outra coisa. Então o tal amigo achou a chave de leitura do outro? Negativo, vai ter dia que o amigo pede água e é água mesmo o que quer: Ou pior um pouquinho: pode nem ser água e nem ser a conversa amiga, mas uma terceira, ou quarta ou quinta coisa.
Não se assuste, mas, na verdade, pode ser qualquer coisa. As possibilidades são infinitas.
A língua não é fixa e o ser humano muito menos. Os sentidos vêm e vão ao sabor de nossas emoções, de nosso olhar a cada momento.
Gosto de laranja, mas nesse momento estou detestando esse tipo de fruta.
Falo sempre disso, mas nesse momento estou falando daquilo. Nos movemos o tempo todo, e, se não brigarmos com o fato, a vida pode fluir bem gostosa, sem que tentemos para-la para a nossa suposta segurança.
Somos feitos para o movimento e, portanto, teimar em morar no passado é já abandonar a vida antes mesmo de irmos habitar o cemitério que nos aguarda a todos um dia. Não precisa se precipitar. Espere que seu dia chegará. Não precisa morrer em vida. Deixe para parar e morrer quando ela acabar mesmo.
Como a vida é nova a cada dia, mesmo com nossa teimosia em viver no passado ou de passado, ela está aí, nascendo novinha em folha com o sol a cada manhã.
A vida é sempre o dia novo que nasce. Fazemos dele velho se não enxergarmos que é novo quando os olhos não estão pousados aqui, mas lá no passado, repetindo, repetindo e repetindo.
Comunicar-se só é possível estando vivo e presente para captar o novo sentido que surge das sentenças antigas. É estar receptivo ao surpresivo, ao inusitado, para poder atingir um sentido a mais, ligado àquela situação única que está sendo descrita e que às vezes a gente lê como antiga e fica tudo parado na mesma.
Dar conta de parar de olhar só para o nosso umbigo e nos encontrar, por um momento que seja, com aquilo que outro está dizendo. Ter um minuto de comunhão, quando percebemos que entramos no espírito do que o outro propôs, quando percebemos que fizemos uma visitinha no planeta do outro e voltamos felizes e enriquecidos com o que trouxemos para o nosso planetinha que agora fica mais interessante.
Não nos comunicamos, mas nos encontramos e nos amamos. Inexplicável, mas verdadeiro.
Ainda bem!
 


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *