Será que os filhos crescem?


Auto-retrato (Flavio de Carvalho, 1965)

Luciene Godoy
É um costume de nossa cultura as pessoas que não moram na sua cidade de origem virem em férias passar alguns dias na casa dos pais.
Dia desses estive na casa de uma amiga que recebia seu filho de férias. Ela toda inchada me apresentava o filho bem sucedido, orgulho da mamãe. Eu olhava para o rosto do filho, com um sorriso sem graça dependurado nos lábios, mas os olhos tristes, muito tristes. Lá dentro daqueles olhos eu via alguém tão distante, tão ausente dali. Tão irreconhecido!
Êpa! Essa palavra existe: “irreconhecido”? Não sei, mas é isso que quero dizer. Acontece mais do que nos agradaria admitir que as nossas famílias não reconhecem quem somos. Quem somos mesmo!
O grupo nos dá um lugar desde o princípio: o filho comportado, o danado, o bonzinho e, o que é ruim, continua nos vendo como tal mesmo quando através de anos de vida, esforço e aprendizado nos tornamos um outro, diferente do olhar inicial que teima em nos ver do mesmo jeito.
Foi o que vi no olhar daquele rapaz, a mãe com olhos brilhantes falando do filho que ela tinha na cabeça e ele completamente só. Ela não enxergava aquele que estava ali em sua frente. Ela sequer via que ele não estava ali.
Disso podemos tirar uma lição: além do esforço para crescer e mudar as coisas que não nos agradam em nós mesmos, é preciso também, para tomarmos posse do processo, sustentar a nossa transformação diante do outro. Apresentar a nossa própria construção. Achar meios de fazê-los ver o novo ser no qual nos tornamos.
Afinal, se nenhum dia é igual ao outro, se o tempo passa para tudo, passa principalmente para o homem com sua ilimitada capacidade de aprender e mudar.
Acho poucas coisas mais desumanas do que aquela conhecidíssima frase de nossa cultura usualmente dita (ainda) pelos pais: “Prá gente, os filhos não crescem nunca, continuam sendo ‘os meninos’ pra sempre.”
Que horror! Anões emocionais.
Tenho certeza que os que dizem isso jamais pararam para refletir, realmente, sobre o que dizem. Ver seus filhos “pra sempre” como meninos é negar-lhes o reconhecimento do crescimento que conseguiram a duras penas.
Não creio ser o objetivo de todos nós mantermos os nossos filhos como eternos anões emocionais, criançonas dependentes de papai e mamãe.
Repensemos, pois, essa expressão tão presente em nosso cotidiano e que de forma alguma reflete nossas verdadeiras intenções.

Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 28 de abril de 2011.


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