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Ser pai e mãe – a missão impossível?

Educar, governar e analisar, as tarefas impossíveis. Isso pode querer dizer que ser pai e mãe talvez seja uma tarefa triplamente impossível, já que dos pais se espera conjugar esses três verbos na educação de seus filhos e muitos outros mais.

 

Lacan, ao abordar a questão, o faz em termos de funções. Para ele, não existem pai e mãe. Existem a função materna e a paterna. Cada uma delas com atribuições bem específicas, de uma certa forma opostas – e complementares.

 

A função materna é o exercício de um cuidado do tipo: “Faça no lugar da criança que ainda não consegue fazer por si só”. É a pessoa que vê, escuta e percebe o que a criança precisa: “Esse choro é dor de barriga. Agora esse é de fome”. E, veja bem, não são só as genitoras, as mães biológicas, que têm essa percepção aguçada. Embora elas sejam as melhores candidatas, qualquer pessoa com real interesse na criança começará a perceber seus sinais sutis,  mas evidentes, com o tempo.

 

Essa é a função em que o adulto que cuida carrega aquele que não pode andar, alimenta o que não consegue sequer levar o alimento à boca, pensa por aquele que ainda não consegue saber do que se trata nem o que responder. É aquela história: “A mamãe/o papai sabe o que é bom pra você”. E nesse momento sabe mesmo!

 

O probleminha são as mães e  os pais que passam a vida inteira sabendo o que é bom para os filhos. Isso é tirá-los do centro de decisões de sua própria vida. É relegá-los a serem criaturas mais ou menos acéfalas, perdidas na vida sem papai ou mamãe. Este seria o caso de falta de função paterna. Vamos a ela.

 

A função paterna é aquela que, da mesma forma que a primeira, poderá ser operada por todos os adultos que rodeiam e cuidam da criança. Essa função é a que vai separando, tirando a criança dessa dependência. É aquela que passa para o filho a mensagem: “Vai que você dá conta. Eu não faço por você o que já consegue fazer. Você está sozinho nessa”. Ou dizer lindamente para seu filho que está se constituindo: “Vai que a bola é suuuua!” E se aguentar.

A função paterna se trata de deixar o mundo entrar na vida de seu filho com suas propostas e valores atuais. Não é só a sua história pessoal que vai contar na vida desse ser que você pôs no mundo. É o que o mundo tem a oferecer e que, muitas vezes, você não aceita. É o conflito entre gerações e contextos históricos: nós estamos inseridos em um; nossos filhos, em outro.

Pode doer, mas o fato é que os nossos filhos pertencem sempre a um mundo que não é o nosso. Isso se aplica a nosso cônjuge também, a nossos irmãos e, pior, a nossos próprios pais. Estamos cada um em um planeta habitado por um só. Talvez com nossos filhos isso seja mais difícil de ser aceito, uma vez que eles nasceram de nós, deveriam ser nossa imagem e semelhança. Mas não. São eles mesmos, únicos, como todos nós.

 

O ser humano, pela sua libertação da mesmice instintual e capacidade de comunicação, muda tanto de uma geração para a outra que há comumente um estranhamento. “Como posso ter gerado um ser tão estranho a mim?”, escuto, às vezes, de pais atordoados tentando reconhecer o filho que geraram.

 

Coisas de ser humano… Cupins não sofrem desses males.

Por tudo isso, o ser humano precisa dessas duas funções – a materna e a paterna – para ser formado. Não dá para dizer que mãe não pode trabalhar fora porque tem de cuidar dos filhos. Todos têm: pai, avô, avó, tios, amigos – já que são funções e não pessoas.

 

Os lugares não são fixos. Quando uma criança está recém-nascida, os humanos ao seu redor exercem função materna. À medida que cresce, função paterna nela, para que cresça com a autonomia necessária para achar e construir um caminho que seja seu e que a faça feliz na sua vida inventada.

Este post tem 2 comentários

  1. Não há mais lugar que possamos nós manter estacionados. O mundo atual exige saber a hora de cada função. Isso nós dá mais liberdade, mas também responsabilidade.

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