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Ser anticonvencional não é ser mal educado

            Certa vez, dirigindo para nossa chácara, resolvi dar seta à direita a uma boa distância da entrada. Havia um carro atrás de mim e estávamos descendo uma ladeira. No começo da subida eu entraria, por isso decidi avisar ao meu seguidor: “Mantenha sua velocidade e passe adiante porque vou devagar na decida para virar lá em baixo”.

Meu marido então me pergunta: “Por que você está dando seta?” E eu, com preguiça de dar todas essas explicações que dei a vocês acima, achei que tinha crédito para dizer: “Porque eu quero”. Disse isso de forma gentil, num tom natural. E ele, meio sem graça, respondeu: “Puxa, pra quê ofender?”

Aí me dei conta de que na nossa sociedade dizer que fez algo simplesmente porque quer é deveras ofensivo. O “porque quero” tem que ser sempre adocicado por uma explicação para neutralizar a ofensa que é – na cultura do padrão – dizer deslavadamente que se quer ou que não se quer seja lá o que for.

Na verdade, o que ofende mesmo é se dar o direito de querer numa cultura do obedecer.

Já notaram que a gente não pode simplesmente dizer “é porque não quero” que ofende? É preciso explicar: “Estou com dor de cabeça”, “estou indisposta” etc. Explicar significa dizer que não foi porque eu quis, mas por outras forças alheias à minha vontade.

Que alheia à minha vontade que nada! O meu ato foi fruto da minha vontade sim, da minha escolha e do meu desejo.

Isso ofende? Ofende muita gente, sabemos disso. Mas, porém, todavia, contudo, isso não é ofensivo. O “eu quero” ou “eu não quero” é só uma expressão do desejo de quem fala e não uma metralhada em quem escuta. Um “eu quero” não quer dizer “eu não te quero, eu não te respeito” e nem “eu não te admiro”.

Já dizer que não foi porque não quis, nunca, nem pensar, é assinar a própria condenação à morte. É preciso ter toda uma lista de justificativas e explicações: “Aconteceu um imprevisto”, “bati o carro”, “chegou uma visita inesperada”, “atrasou não sei o quê”… culminando com o: “bem que eu queria, mas não deu tempo”.

O “não deu tempo” é um santo remédio para encobrir o “eu não priorizei”, “eu não me esforcei para dar certo”, que traduzem o “eu não fui porque não quis”.

Simples assim? Simples nada. Quem falar dessa forma vai perder todos os amigos, um por um, até amargar a mais completa solidão.

É que dizer não a um convite para quem é inseguro de sua própria imagem significa rejeitar o que convida e não ao convite.

Ah! É porque não gosta de estar comigo – leia-se não sou gostável – e não, por exemplo porque se está morto de cansaço mesmo ou é porque não gosta daquele tipo de programa ou, e pelo amor de Deus, isso também é possível: não está a fim porque não está a fim. Sem explicação.

Alôôô!

Paremos de olhar para o nosso próprio umbigo. Nem tudo se refere à nossa pessoinha que se acha o centro do universo. Quando somos “infantilóides” é assim que funcionamos. Ficamos autorreferentes, com todas as luzes do narcisismo acesas, achando que tudo nos diz respeito.

Dá para não dar uma resposta padrão sem se estar desrespeitando? Dá para dizer de peito aberto “porque eu quero” sem ofender o interlocutor?

Perguntar não ofende, a gente costuma repetir. Dizer o que se quer sem um rosário de explicações e justificativas também não.

Aprendamos a ler outros sinais de respeito além dos convencionais, que, lógico, têm o seu valor. Mas existem muitas outras formas de se ser respeitoso sem ser pelas regrinhas engessadoras.

Ser anticonvencional não é ser desrespeitoso.

Ser diferente não ofende.

Ser diferente enriquece o mundo!

Este post tem um comentário

  1. MARIA HELENA FERREIRA

    Luciene, que ótima reflexão!

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